ONTEM, HOJE E
AMANHÃ (1964)
Durante os anos 60, intensificou-se a prática de produzir
filmes em episódios. Sobretudo na Europa, nomeadamente em França e Itália.
Depois a prática difundiu-se para outras latitudes. Nessa década, sobretudo no
campo da comédia, surgiram muitas obras compostas por vários sketches,
histórias independentes umas das outras, muitas vezes permitindo reunir
diversos cineastas (o caso de “Rogopag”, por exemplo), outras vezes jogando com
a multiplicação de personagens criadas pelos mesmos actores. Caso deste “Ontem,
Hoje, Amanhã”, uma realização de Vittorio De Sica que, com base no trabalho de
Sophia Loren e Marcello Mastroianni, agrupa três pequenas histórias onde os
dois excelentes actores vivem apontamentos passados respectivamente em Nápoles,
Milão e Roma, com resultados desiguais é certo, mas todos eles com alguma
graça, um vislumbre de crítica social, e um esboço de quadro humano de uma
época que se afastava já da Itália miserável e destruída do pós-guerra. Na
verdade, a península transalpina, bem como quase toda a Europa Ocidental, vivia
sob o que se chamaria então o “milagre económico”, por impulso do plano
Marshall.
Todos os episódios de “Ontem, Hoje, Amanhã” partem de
histórias com assinaturas prestigiadas. “Adelina”, o primeiro, que julgamos o
mais interessante, melhor desenvolvido e onde os dois actores se afirmam
plenamente, baseia-se numa ideia do dramaturgo Eduardo De Filippo, com
adaptação de Isabella Quarantotti; o segundo, “Anna”, tem na base uma novela de
Alberto Moravia, "Troppo Ricca", que foi desenvolvida para cinema
pelo próprio, com colaboração de Cesare Zavattini, Bella Billa e Lorenza
Zanuso; finalmente, o terceiro, ficou a cargo de Cesare Zavattini. São três
“anedotas” do quotidiano em três ambientes sociais diversos que se caracterizam
um pouco em função do seu enquadramento geográfico.
“Adelina” é tipicamente napolitano, popular, exuberante,
excessivo. Adelina é uma vendedora de tabaco clandestino, “cigarros americanos,
ingleses e suíços”, apregoa ela, e é multada por essa actividade. Como não paga
a multa, nem tem móveis para serem arrestados, vê-se na contingência de ser
presa, mas, como está grávida, não é levada pelos polícias que são obrigados
por lei a esperar até seis meses depois do parto. O que leva Adelina a
engravidar sucessivamente, perante a cumplicidade do bairro onde vive, com
marido e uma ninhada de filhos que não pára de se reproduzir. O episódio
prolonga um pouco o tom parabólico de “Milagre em Milão”, com a boa vontade e
colaboração de todos para resolverem o problema desta poedeira inesgotável, que
todavia consegue exaurir o marido. A composição das figuras é muito boa, Sophia
Loren e Marcello Mastroianni estão como peixe na água, no seu elemento.
Na segunda história, com a industriosa cidade de Milão
por cenário, Anna, mulher de um industrial milionário, aborrece-se de morte com
belos vestidos, carros de luxo, e amantes que vai recrutando sucessivamente
para matar o tédio. Marcello Mastroianni é apenas mais um, um intelectual com
problemas de consciência. Dir-se-ia que Vittorio De Sica invade os terrenos de
Michelangelo Antonioni e que Sophia Loren faz-se passar por Monica Vitti, com a
sua solidão desesperada na paisagem industrial milanesa.
Finalmente, o terceiro sketch, “Mara”, tem por paisagem
de fundo uma praça romana, e como protagonista uma desenvolta prostituta que
recebe os clientes de luxo no seu apartamento nas águas furtadas de um
edifício, paredes meias com um outro habitado por um casal de velhotes que têm
consigo um neto seminarista que se deixa deslumbrar pelas curvas (e as rectas)
da sedutora Mara, uma Sophia Loren imparável nos seus strip-teases.
São, como já se disse, apenas “anedotas” divertidas,
polvilhadas por uma terna crítica de maus (e bons) costumes, onde se nota o
dedo do realizador, através de alguns dos temas que são constantes na sua
filmografia (a mulher, a sensualidade, a pureza das crianças, os ambientes
populares, uma crítica não muito feroz ao poder do capital e à hipocrisia
dominante, um elenco e uma equipa técnica perseverantes, etc.).
Deve acrescentar-se ainda que esta produção de Carlo
Ponti tem uma envolvência musical muito interessante, da autoria de Armando
Travajoli, o compositor habitual das obras de De Sica, e que apresenta uma
excelente fotografia, a cores, de um mestre, Giuseppe Rotunno.
Mas, apesar de tudo o que se possa dizer em favor desta
comédia italiana, há que ficar surpreendido com o Oscar que ganhou em 1965, na
categoria de Melhor Filme em Língua não Inglesa. Entretanto, nos Globos de Ouro
de 1964, recebeu o Prémio Samuel Goldwyn. Mas não foram estes os únicos grandes
prémios que arrecadou. Nos BAFTAs ingleses, Marcello Mastroianni foi
considerado o melhor actor, e, em Itália, coube-lhe o David di Donatello para
Melhor Filme do Ano. Julgamos tudo isto algo excessivo para uma obra
interessante, mas definitivamente menor no conjunto da filmografia de Vittorio
De Sica.
ONTEM,
HOJE E AMANHÃ
Título
original: Ieri, Oggi, Domani
Realização: Vittorio De Sica (Itália, França, 1964); Argumento:
Isabella Quarantotti , Eduardo De Filippo, segundo história deste ("Adelina") , Cesare Zavattini,
Bella Billa, Lorenza Zanuso, Alberto Moravia, segundo história deste
("Anna", da novela "Troppo Ricca"), Cesare Zavattini ("Mara")
; Produção: Carlo Ponti; Música: Armando Trovajoli; Fotografia (cor): Giuseppe
Rotunno; Montagem: Adriana Novelli; Design de produção: Ezio Frigerio;
Gurada-roupa: Piero Tosi; Direcção de produção: Mario Abussi, Antonio Altoviti,
Mario Di Biase; Assistaentes de realização: Luisa Alessandri, Nino Segurini;
departamento de arte: Andrea Crisanti; Som: Ennio Sensi; Companhias de
produção: Compagnia Cinematografica Champion, Les Films Concordia; Intérpretes: Sophia Loren (Adelina
Sbaratti / Anna Molteni / Mara), Marcello Mastroianni (Carmine Sbaratti / Renzo
/ Augusto Rusconi), Aldo Giuffrè (Pasquale Nardella ("Adelina"),
Agostino Salvietti - Dr. Verace ("Adelina"), Lino Mattera - Amedeo
Scapece ("Adelina"), Tecla Scarano - Verace's sister
("Adelina"), Silvia Monelli - Elivira Nardella ("Adelina"),
Carlo Croccolo - Auctioneer ("Adelina"), Pasquale Cennamo - Chief
Police ("Adelina"), Tonino Cianci - ("Adelina"), Armando
Trovajoli - Giorgio Ferrario ("Anna"), Tina Pica - Grandmother
Ferrario ("Mara”), Gianni Ridolfi - Umberto ("Mara"), Gennaro Di
Gregorio - Grandfather ("Mara"), etc. Duração: 118 minutos; Distribuição em Portugal (DVD): Lusomundo
Audiovisuais; Classificação etária: M12 anos.
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