OS MONSTROS (1963),
OS NOVOS MONSTROS,
VEJO TUDO NU (1969)
As décadas de 60 e 70 do século passado foram uma época onde,
sobretudo nas cinematografias europeias, particularmente nas francesa e
italiana, se desenvolveu um tipo de filmes em episódios (em “sketches”),
assinados por um mesmo realizador ou agrupando vários autores. Houve filmes e
episódios para todos os gostos, mas aparecerem sobretudo muitas comédias. Dino
Risi foi um dos introdutores deste tipo de filmes segmentados, com “I Mostri” (OS MONSTROS), uma co-produção
ítalo-francesa de Mario Cecchi Gori, de 1963, com argumento de Agenore
Incrocci, Ruggero Maccari, Elio Petri, Dino Risi, Furio Scarpelli e Ettore
Scola. Dois monstros sagrados, Vittorio Gassman e Ugo Tognazzi, protagonizaram
os diversos episódios. O filme conheceu um tremendo sucesso de público e de
crítica e justificou sequelas directas, como “I Nuovi Mostri”, em 1977, e uma
série de outras, das mais diversas proveniências.
O original de 1963 continha 20 episódios, e todo o filme, como
já o dissemos, era dirigido por Dino Risi. Os episódios, recordados aqui de
forma sucinta, eram "L'Educazione Sentimentale" (um pai que “educa” o
filho querido a se desenrascar na vida, não olhando a nada nem a ninguém, a não
ser ele próprio), "La Raccomandazione" (um actor de grande prestígio,
de nome Gassman, que recomenda ao director de uma outra companhia um colega em
desgraça, mas que acaba por impor outro em seu lugar, por forma a ver-se livre
de um peso extra na sua tabela de ordenados), "Il Mostro" (uma foto
para a posteridade, “à la minute”, de um homem que se vê rodeado por dois
polícias verdadeiramente “monstruosos”, quando ele próprio é apontado como o
“monstro” que matou cinco filhos e se fechou em casa), "Come un
Padre" (um jovem descobre que a mulher, com quem casara há três meses, lhe
é infiel e vai ter, de noite, com o melhor amigo para lhe contar o sucedido.
Este ouve, desconfia das “certezas” do marido enganado, aconselha-lhe calma,
antes de o enviar de volta a casa. Quando regressa à sua cama, confidencia à
mulher do amigo, que ali se encontra, que no dia seguinte vai jantar a casa
dela), "Presa dalla Vita" (uma velhota, muito velhota, é literalmente
raptada para ser figurante durante a rodagem de um filme, durante a qual é
atirada à água de uma piscina. É necessário repetir: 13ª take), "Il Povero
Soldato" (um soldado é chamado à cidade para reconhecer o corpo da irmã
assassinada. Descobre que ela era prostituta e que mantinha actualizado um
diário onde anotava todas as visitas a clientes. O soldado, compungido pela
dor, vai vender o diário ao jornal que mais der pelos escândalos da inditosa
mana), "Che Vitaccia" (num bairro da lata um família vive em
dificuldades. O marido chora-se pela vida difícil que leva, com a mulher
doente, de cama, mas arranja tempo e dinheiro para ir ao estádio gritar pelo
seu clube), "La Giornata dell'Onorevole" (um deputado da Democracia
Cristã, que dorme num convento, é instado por um camarada de partido a retardar
o reconhecimento de uma informação que anularia um negócio de um
correligionário, o que o político faz de forma particularmente eficaz e sem
“sujar as mãos”), "Latin Lovers" (dois “latin lovers” na praia
“galam” todas as mulheres que lhe passam pela frente, mas acabam de mãos
entrelaçadas), "Testimone Volontario" (uma testemunha oferece–se
voluntariamente para depor num julgamento, e acaba na prisão, por causa da sua
sede de verdade e justiça), "I Due Orfanelli" (dois órfãos pedintes),
"L'Agguato" (um polícia que se esconde por detrás de um quiosque de
venda de jornais para autuar cada carro que pára para comprar um jornal) ,
"Il Sacrificato" (um D. Juan que se despede de uma amante,
“sacrificando-se por ela”, pelo “seu futuro”, pela “vida que está a perder”,
segundo as suas palavras, para logo a seguir a trocar por outra, novinha em
folha), "Vernissage" (a compra de um novo carro um Fiat 600, para a
família, que é inaugurado por uma prostituta de rua), "La Musa"
(reunido o júri literário, a “Diva” argumenta em defesa de um medíocre romance,
mas de um jovem autor que ela bem conhece de noites passadas em conjunto),
"Scende l'Oblio" (um casal bem instalado na vida assiste a um filme
onde os nazis dizimam prisioneiros encostados a um muro. O marido refere que é
“um muro como este” que quer a vedar a sua casa), "La Strada è di
Tutti" (enquanto peão, o comportamento é um, quando ao volante de um
pequeno carro pratica-se a antítese), "L'Oppio dei Popoli" (enquanto
o marido assiste vidrado à televisão, a mulher recebe no quarto o amante de
ocasião), "Il Testamento di Francesco" (um padre que prega a
humildade e a simplicidade no pequeno ecrã e que se aperalta na caracterização
da TV para aparecer “em beleza”) e
"La Nobile Arte" (a humilhação dos últimos dias dos grandes
pugilistas que se arrastam à procura de um derradeiro combate). Alguns destes episódios são pequenas
obras-primas de miniaturista, outros são curtas anedotas de sucinto
desenvolvimento e de curto alcance. Há os grotescos e os ternos, os
violentamente críticos e os de mão leve, há alguns interpretados de forma
magistral e os vividos com certa graça. Há mesmo um travesti de Gassman.
Há, sobretudo, retratos de uma certa fauna italiana (mas não
só, não só!) que restituem uma panorâmica (parcial, deformada, claro, ou não se
tratasse de “monstros”!) de algumas das taras da sociedade italiana do “boom
económico” dos anos 50 e 60, mas que se irá manter (e reproduzir-se, para mal
dos nossos pecados!) nos anos seguintes.
Ugo Tognazzi (“L'Educazione
Sentimentale", “Il Mostro", "Come un Padre", Il povero
soldato", "La giornata dell'onorevole", "Latin
lovers", "Testimonio Volontario", "L'Agguato",
"Vernissage", "Scenda l'Oblio", "L'Oppio dei Popoli", "La
Nobile Arte") e Vittorio Gassman ("La raccomandazione", "Il
mostro", "Presa dalla vita", "Che vitaccia",
"Latin lovers", "Testimonio volontario", "La
musa", "I due orfanelli", "Il sacrificato", "La
strada è di tutti", "Il testamento di Francesco" e "La
nobile arte") eram os protagonistas. Por
vezes notáveis.
“I Nuovi Mostri” (OS
NOVOS MONSTROS), de 1977, dividia a direcção por três dos maiores autores
da comédia italiana: além de Dino Risi, apareciam ainda colaborações de Ettore
Scola e Mario Monicelli, e o argumento era da responsabilidade de Agenore
Incrocci, Ruggero Maccari, Giuseppe Moccia, Ettore Scola e Bernardino Zapponi.
Os principais actores eram Alberto Sordi, Vittorio Gassman, Ugo Tognazzi e
Ornella Muti, e a obra era composta por 14 episódios na sua versão original,
reduzida a 12 na versão que correu mundo. A importância desta obra foi tal que
chegou a ser nomeada para o Óscar de melhor filme de língua estrangeira.
Os 14 episódios da versão original estavam assim divididos:
dois dirigidos por Mario Monicelli ("Autostop", com Ornella Muti e
"Pronto Soccorso", com Alberto Sordi); sete rodados por Ettore Scola
("L'Uccellino della Val Padana", com Ugo Tognazzi; "Il
Sospetto", com Vittorio Gassman; "Cittadino Esemplare", com
Vittorio Gassman; "Sequestro di Persona Cara", com Vittorio Gassman;
"Come una Regina", com Alberto Sordi; "Hostaria!", com
Vittorio Gassman e Ugo Tognazzi e ainda "Elogio Funebre", com Alberto
Sordi). Finalmente, Dino Risi
realiza cinco episódios: "Con i saluti degli amici", "Tantum
ergo”, com Vittorio Gassman, "Mammina e mammone", com Ugo Tognazzi,
"Pornodiva" e "Senza parole", com Ornella Muti.
Organizando-se, tal como o anterior filme da série, em torno de
vários episódios colados uns aos outros sem aparente relação, a não ser aquela
que o próprio título sugere, “novas monstruosidades sociais italianas”, “I
Nouvi Monstri” oscila de novo entre a anedota mais ou menos inconsequente e o
conto de ressonâncias trágicas ou patéticas que a simplicidade de processos, a
qualidade da interpretação (Alberto Sordi está sensacional nesta obra,
sobretudo em "Pronto Soccorso") e a intencionalidade crítica tornam
irrecusáveis. Apesar de irregular tanto na densidade de cada episódio, na sua
duração, no seu desenvolvimento, como nos seus propósitos, este é um filme que,
tal como o anterior, oferece uma curiosa galeria de tipos e de situações que se
impõem facilmente e justificam amplamente a visão. "Pronto soccorso",
de Comencini, é uma pequena obra-prima, "Mammina e Mammone", com Ugo
Tognazzi, "Pornodiva", ambos de Dino Risi, são excelentes
apontamentos de um universo demente, "Come una Regina", com Alberto
Sordi, "Hostaria!", com Vittorio Gassman e Ugo Tognazzi e ainda
"Elogio Funebre", com Alberto Sordi, os três de Ettore Scola, são
outros tantos momentos de um doloroso burlesco que joga com o que há de mais
trágico e de mais sórdido na alma humana.
Outro dos filmes em episódios assinado inteiramente por Dino
Risi é “VEJO TUDO NÚ”, de 1969, com
participação de Nino Manfredi em todos os sketches, que abordam a obsessão
sexual que se apoderou da sociedade ocidental por essa época de “flower power”
e de “make love not war”. O sexo está presente em cada olhar. “La Diva” é a
própria Sylva Koscina que socorre um ferido numa estrada e que o leva ao
hospital, onde provoca tamanho rebuliço que o ferido morre sem tratamento, mas
ela consegue reunir à sua volta todos os médicos e enfermeiros de serviço. Em
“Processo a Porte Chiuse' um rústico, que abusa sexualmente de uma galinha,
defende-se da acusação, sublinhando a irresistível sedução da franga. “Ornella”
reúne travesti e homossexualidade num jogo de esconde-esconde; “Il Guardone”
retrata um “voyeurista” tão obcecado com corpos nus que se excita com o seu
próprio rabo reflectido num espelho e que toma pelo de uma mulher; “L'Ultima
Vergine” reúne uma mulher solitária e um empregado da companhia de telefones
que ela toma por um tarado sexual; “Motrice Mia” é um dos episódios mais
célebres e aborda o caso de um fetichista com comboios que atinge o orgasmo
quando eles lhe passam por cima, quando se encontra estendido entre os carris.
Bom chefe de família, transmuda-se todas as noites, à mesma hora. Finalmente,
“Vedo Nudo” ou a história de um publicitário que não consegue ver qualquer
mulher senão nua, à força de as fotografar sempre assim. O sexo a dominar a
mente de toda a gente, como consequência sobretudo de uma sociedade de consumo
que tudo vende, criando necessidades extras através de um marketing impositivo.
Dino Risi foi, dos autores transalpinos,
um dos que melhor simbolizaram um certo espírito da comédia popular italiana.
Ao dizermos popular, queremos referir ser ela simultaneamente um reflexo do
próprio povo (das suas características, virtudes e defeitos), e um produto
facilmente perceptível pelas plateias de todas as origens sociais. De onde o
êxito de crítica e de público que muitas das suas obras tiveram ao longo da sua
extensa actividade. Dino Risi teve ainda a vantagem, que alguns outros colegas
seus nem sempre atingiram, de ser um autor de um humor enraizado no povo, mas
de expressão subtil, denunciando uma sensibilidade elegante e requintada, o que
se sente bem, quer ao nível dos “décors” escolhidos, quer ainda na delicadeza e
suavidade da sua câmara, na forma como ela se movimenta e enquadra os actores.
OS MONSTROS
Título original: I Mostri
Realização: Dino Risi (Itália,
França, 1963); Argumento: Agenore Incrocci, Furio Scarpelli, Elio Petri, Dino
Risi, Ettore Scola, Ruggero Maccari, Ettore Scola, Ruggero Maccari; Produção:
Mario Cecchi Gori; Música: Armando Trovajoli; Fotografia (p/b): Alfio Contini;
Montagem: Maurizio Lucidi; Design de produção: Ugo Pericoli; Decoração: Arrigo
Breschi; Guarda-roupa: Ugo Pericoli; Maquilhagem: Gustavo Sisi, Otello Sisi;
Direcção de produção: Pio Angeletti, Umberto Santoni; Assistentes de
Realização: Vana Caruso; Som: Fausto Ancillai, Guido Ortenzi; Companhias de
produção: Fair Film, Incei Film, Montfluor Film, Dicifrance; Intérpretes:
Ugo Tognazzi / Il padre (segmento "L'Educazione sentimentale") /
(carabiniere / segmento "Il mostro") / Stefano (segmento "Come
un padre") / Battacchi (segmento "Il povero soldato") /
L'onorevole (segmento "La giornata dell'onorevole") / latin lover
(segmento "Latin lovers") / Pilade Fioravanti (segmento
"Testimonio volontario") / il vigile (segmento "L'agguato")
/ Impiegato (segmento "Vernissage") / Spettatore (segmento
"Scenda l'oblio") / Marito (segmento "L'oppio dei popoli")
/ Guarnacci (segmento "La nobile arte"); Vittorio Gassman /
(segmentos "La raccomandazione", "Il mostro", "Presa
dalla vita", "Che vitaccia", "Latin lovers",
"Testimonio volontario", segmentos "La musa", "I due
orfanelli", "Il sacrificato", "La strada è di tutti",
"Il testamento di Francesco", "La nobile arte"), Lando
Buzzanca / Luchino (segmento "Come un padre"); Marisa Merlini / Paola
Fioravanti (segmento "Testimone volontario"), Rika Dialina / Anna
(segmento "Il Sacrificato"), Michèle Mercier / Maria (segmento
"L'opio dei popoli"), Ricky Tognazzi / Paoletto (segmento
"L'educazione sentimentale"), Franco Castellani / Paolo (segmento
"La Raccomandazione"), Maria Mannelli / Olimpia (segmento "Presa
dalla vita"), Mario Laurentino / Nino (segmento "Il povero
soldato"), Angela Portaluri / Ersilia (segmento "Che
vitacchia"), Yacinto / Yaria Aristide (segmento "La Giornata
dell'onorevole"), Franco Caracciolo / Zenone (segmento "La giornata
dell'onorevole"), Carlo Kechler / Nino (segmento "La giornata
dell'onorevole"), Ugo Attanasio / Lamberto (segmento "La Giornata
dell'onorevole”), Luciana Vincenzi / Gina (segmento "Latin lovers"),
Carlo Bagno / Gianni (segmento "Testimone volontario"), Daniele
Vargas / Salvatore (segmento "I Due orfanelli”), Mario Cecchi Gori /
Automobilista (segmento "L’ Agguato"), Françoise Leroy / Giuliana
(segmento "Il Sacrificato"), Sal Borgese / Umberto (segmento "La
musa"), Jacques Herlin / Lachapelle (segmento "La musa"), Maria
Luisa Rispoli / Flavia (segmento "Scenda l'oblio"), Marino Masé /
amante (segmento "L'oppio dei popoli"), Riccardo Paladini / Luigi
(segmento "Il Testamento di Francesco"), Mario Brega (segmento
"La Nobile arte"), Nino Nini / Enrico (segmento "La nobile
arte"), Ottavia Panunzi (segmento "La nobile arte"), Lucia
Modugno / Clara Antinori (segmento "La Nobile arte"), etc. Duração: 115 minutos; Classificação etária: M/ 12 anos; Distribuição em
Portugal (DVD): Lusomundo Audiovisuais.
VEJO TUDO NÚ
Título original: Vedo Nudo
Realização: Dino Risi (Itália, 1969); Argumento: Fabio Carpi, Jaja
Fiastri, Ruggero Maccari, Dino Risi, Bernardino Zapponi; Produção: Pio
Angeletti, Adriano De Micheli; Música: Armando Trovajoli; Fotografia (cor):
Alessandro D'Eva, Erico Menczer; Montagem: Alberto Gallitti; Design de
produção: Luciano Ricceri; Guarda-roupa: Ezio Altieri; Maquilhagem: Iolanda
Conti, Michele Trimarchi; Direcção de produção: Hermes Gallippi, Antonio Mazza;
Assistentes de Realização: Adriano Incrocci; Som: Vittorio Massi, Mario Morigi,
Ludovico Scardella; Companhias de produção: Dean Film, Jupiter Generale
Cinematográfica; Intérpretes: Nino Manfredi (vários papaeis), Sylva
Koscina, Véronique Vendell (Manuela), Umberto D'Orsi (Federico), Daniela
Giordano (Luísa), Nerina Montagnani, Bruno Boschetti, Marcello Prando, Guido
Spadea, Enrico Maria Salerno, Luca Sportelli, John Karlsen, etc. Duração: 105 minutos;
Classificação etária: M/ 12 anos; Distribuição em Portugal (DVD): Lusomundo
Audiovisuais.
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