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quarta-feira, 8 de abril de 2015

MORTE EM VENEZA


MORTE EM VENEZA (1971)

O cinema de Visconti refina-se. Entre Thomas Mann e Marcel Proust, dois dos autores que mais o influenciariam da fase derradeira da sua vida, o cineasta inicia a sua fase de testamentos artísticos, quando a doença o começa a diminuir fisicamente. O seu olhar não se limita a registar mecanicamente o que vê. As imagens filtram uma nostalgia de quem procura o equilíbrio de um tempo perdido, mas reflectem também a lucidez de quem sabe que a história é irreversível e que o futuro nada pode esperar dessas épocas passadas, a não ser a lição da prática política que elas encerram.
"Morte em Veneza", prémio do 25º aniversário no festival de Cannes de 1971, baseia-se numa novela homónima do alemão Thomas Mann. Para lá de outras alterações dignas de nota, há a salientar o seguinte: na novela, Gustav Von Aschenbach, o protagonista, era escritor, e Mann anuncia-o como "o autor da lúcida e vigorosa épica em prosa sobre a vida de Frederico, o Grande"; no filme, Gustav Von Aschenbach é compositor e aparece ligado às 3ª e 5ª Sinfonias de Gustav Mahler, que servem de pano de fundo ao desenrolar da obra. Há aqui uma nítida intenção de Visconti de colar a personagem de Gustav Von Aschenbach a Gustav Mahler, que aliás servira de inspiração óbvia a Thomas Mann.
A base "anedótica" de "Morte em Veneza" é reduzida e enuncia-se rapidamente: Gustav von Achenbach, doente, deixa os países da Europa Central (Alemanha? Áustria?) para passar um período de repouso no Lido de Veneza. Aí irá encontrar Tadzio, um adolescente polaco, por quem mais tarde se confessa apaixonado. Será Tadzio quem obrigará Aschenbach a permanecer em Veneza, mesmo depois de saber que a cólera domina a cidade, corroendo-lhe as pedras e arruinando a população. E será ainda por amor de Tadzio que Aschenbach se deixará morrer recostado numa cadeira de lona, numa praia deserta, em Veneza...


A intriga de "Morte em Veneza é, pois, quase inexistente. O próprio amor de Aschenbach por Tadzio não ultrapassa o soliloquio. E, no entanto, Visconti agarra o espectador durante horas.
Obra de profunda penetração psicológica, "Morte em Veneza" assenta toda a sua estrutura no olhar. No olhar de Aschenbach percorrendo os salões elegantes de Veneza ou as suas praias; nos olhares de Aschenbach procurando Tadzio, aceitando a sedução ou provocando-a. É ainda o olhar que nos revela a doença e a morte invadindo Veneza: a morte de um vagabundo na estação de caminhos-de-ferro, as proclamações coladas nas paredes das ruas da cidade, que os funcionários da câmara percorrem, desinfectando-as com baldes de cal...
E a morte comanda o jogo. É a morte que atravessa uma época, despojando-a. Aschenbach é um símbolo que sobressai de uma sociedade que pertence a um mundo em lenta decomposição, que se agarra desesperadamente às últimas imagens de uma furtiva beleza. Amor e morte são os limites que definem a existência de Von Aschenbach. Dois ou três "flash-backs" mostram-nos o compositor discutindo (ou melhor, furtando-se à discussão): será o artista obrigado a permanecer, puro e casto, ou deverá deixar-se possuir pelo que de "diabólico" e perverso o habita?
Von Aschenbach, que sempre lutara por uma arte inconspurcada, irá descobrir em Veneza a beleza ideal no rosto etéreo de um adolescente. Mas, em Tadzio, irá Aschenbach encontrar não só um corpo para amar (que nunca possuirá), mas sobretudo um rosto que lhe recordará a adolescência que nunca teve. Tadzio é a vida perdida, o amor recusado, a alegria não cumprida. Aschenbach, perto da morte, irá amar sobretudo essa imagem de um passado perdido. Há muito do próprio Visconti nesta obra crepuscular, onde o cineasta se pode sentir retratado na figura de Tadzio, enquanto jovem, com uma mãe distante, passando férias de luxo em praias de elite, e também enquanto Gustav Von Aschenbach, como criador, abeirando-se da morte e olhando nostálgico a beleza que se distancia e o continua a seduzir.


A reconstituição de Veneza 1911 é obra de um autor incomparável. A densidade que se desprende de cada imagem restitui-nos uma Veneza de clima insuperável. Visconti limitou-se a percorrer-lhe as veias com as câmaras. Os salões do hotel, as ruas da cidade, as salas da estação de caminhos-de-ferro, as praças com as gôndolas acostadas, os cantores satíricos que, de mesa em mesa, transmitem a doença, a praia nostálgica, tudo se descobre com uma existência física inultrapassável. No mais ínfimo pormenor se reconhece a mão de um mestre que não aceita uma falha, um improviso.
Aqui se descobre a maturidade de um autor. Assim se confirma o talento plástico de Visconti.
Senhor de uma noção perfeita do tempo de cada plano ("Morte em Veneza" sustenta a duração de alguns planos num registo normalmente "insustentável"), Visconti encontrou em Dirk Bogarde o actor admirável, e em Silvana Mangano a silhueta diáfana que o papel requeria.



MORTE EM VENEZA
Título original: Morte a Venezia

Realização: Luchino Visconti (Itália, França, 1971); Argumento: Luchino Visconti, Nicola Badalucco, segundo romance de Thomas Mann; Produção: Robert Gordon Edwards, Mario Gallo, Luchino Visconti; Música: Gustav Mahler             ; Fotografia (cor): Pasqualino De Santis; Montagem: Ruggero Mastroianni; Direcção artística: Ferdinando Scarfiotti; Guarda-roupa: Piero Tosi; Maquilhagem:  Maria Teresa Corridoni, Gilda De Guilmi, Mario Di Salvio, Mauro Gavazzi, Goffredo Rocchetti, Luciano Vito; Direcção de  produção: Anna Davini, Egidio Quarantotto; Assistentes de realização: Albino Cocco, Paolo Pietrangeli;  Departamento de arte: Nedo Azzini; Som: Giuseppe Muratori, Vittorio Trentino; Companhias de produção: Alfa Cinematografica; Intérpretes: Dirk Bogarde (Gustav von Aschenbach), Romolo Valli (director de hotel), Mark Burns (Alfred), Nora Ricci (governanta), Marisa Berenson (Frau von Aschenbach), Carole André (Esmeralda), Björn Andrésen (Tadzio), Silvana Mangano (Tadzio), Leslie French, Franco Fabrizi, Antonio Appicella, Sergio Garfagnoli, Ciro Cristofoletti, Luigi Battaglia, Dominique Darel, Masha Predit, Eva Axén, Marcello Bonini Olas, Bruno Boschetti, Nicoletta Elmi, Mirella Pamphili, Marco Tulli, etc. Duração: 130 minutos; Distribuição em Portugal (DVD): Warner Brothers; Classificação etária: M/12 anos; Data de estreia em Portugal: 14 de Setembro de 1971. 

OS MALDITOS



OS MALDITOS (1969)


Alemanha, Fevereiro de 1933. A família do Barão Joaquim von Essenbeck, potentado do aço, festeja o seu aniversário, no mesmo dia em que o Reichstag aparece em chamas. Na vasta mesa de jantar, reúnem-se os diversos membros da família: Sophie, filha do Barão, e o seu amante, Friedrich Bruckmann, director da fábrica de aço; Martin, filho de Sophie; Konstantin, dirigente das S.A., sobrinho do Barão e pretendente a um lugar de comando na sua fábrica; Elisabeth, sobrinha de Joaquim, casada com Herbert Thalmann, o único democrata sincero na família; as duas filhas menores deste casamento; um filho de Konstantin, Gunther, estudante de música, que o pai procura transformar num administrador; finalmente, o primo Aschenbach, fanático SS.
Importante definir os diversos membros desta estranha reunião de família, dado que todo o filme de Visconti roda em volta deles. O próprio cineasta haveria de chamar ao seu filme um "retrato de família" que ultrapassa essa condição para se situar a um outro nível, mais geral. Simbolicamente, é a Alemanha nazi que é bisturizada pela fria análise histórica, política, económica e social de Visconti. São sobretudo as relações entre o capital e o poder político que são estudadas em "Os Malditos". A forma como um e outro se interligam e se condicionam. Um dos membros da família Essenbeck (precisamente o liberal Herbert) bem denuncia este facto ao dizer: "o nazismo é uma criação nossa. Fomos nos que o alimentámos e financiámos."


Senão, vejamos como se articulam os diferentes elementos dos Essenbeck, em relação à conquista do poder, através da manipulação do capital. Para a Alemanha hitleriana, a indústria do aço era extremamente importante, essencial mesmo. Não só por ser uma indústria básica, mas sobretudo por ser uma das bases do fabrico de material bélico. Para se poder contar com um exército bem equipado (não só para a repressão interna, como para a expansão externa) era necessário ter uma forte indústria bélica, logo uma siderurgia gigantesca. No caso presente, os Essenbeek possuíam-na. Mas o barão Von Essenbeck declara, nesse jantar de aniversário, que pretendia situar-se num plano de neutralidade face ao ascendente poder nazi. Importava, portanto, afastar esse elemento, se necessário pela eliminação pura e simples. O que acontece com uma circunstância adicional. Como Herbert, o liberal da família, se declara contra a ascensão das forcas nacional-socialistas, ele acaba por ser envolvido na mesma onda e denunciado à Gestapo como autor da morte do velho barão. A arma do crime indica, muito indiscretamente, Herbert como culpado. De uma assentada, são afastados dois elementos incómodos, continuando a honra do "clã" acima de toda a suspeita.
Ficam, portanto, em jogo três fortes concorrentes com intenções algo diferentes. Por um lado, Friedrich, que, através de Sophie, procura controlar toda a fábrica; por outro, Konstantin, que procura pôr a fábrica a trabalhar para o armamento das SA; finalmente, o primo Aschenbach, que procura "servir lealmente" Hitler e colocar à disposição das SS o produto da siderurgia.
Mas, se o processo se vai lentamente clarificando, não é menos verdade que ficam ainda peças importantes que podem conduzir o jogo para várias saídas. Importa prosseguir na depuração: é chegada a vez de eliminar Konstantin, o que acontece durante a célebre "noite das facas longas", durante a qual o Estado-Maior das SA é completamente dizimado por uma carga de metralha dos SS. Restam, nesta altura, duas figuras que se poderiam completar, mas Aschenbach não confia em demasia na lealdade de Friedrich. Assim sendo, e servindo-se da cumplicidade de Martin, filho de Sophie, Aschenbach consegue controlar a situação: o casamento oficial de Friedrich e Sophie (que poderia ser a legalização de uma situação de força e poderio para o primeiro) acaba por ser simplesmente a antecâmara de um suicídio, servido em cápsula de cianeto pelo perverso Martin. Daqui em diante, a siderurgia dos Essenbeck está indissociavelmente ligada ao poder político nazi. Submetido o poder económico ao poder político (não esquecer que o poder económico havia criado o poder político anteriormente), está solidificado o estado nazi. A aventura expansionista irá começar. Com as consequências que todos sabemos.


O filme de Visconti poderá parecer, pela descrição atrás esboçada, uma espécie de operação matemática ilustrada em imagem, o que tem o seu quê de verdade, mas não basta. Trata-se efectivamente de um filme que demonstra, por A mais B, em progressão algébrica, como se gerou um monstro, mas a construção da obra não denuncia, sequer vagamente, qualquer tipo de simplismo demonstrativo. Visconti é, na realidade, um fabuloso narrador, um pintor de ambientes admirável, um soberbo retratista da decadência de uma sociedade. Já assim fora em "Sentimento", assim prosseguira em “Rocco e os Seus Irmãos" ou “O Leopardo". O fôlego lírico e trágico do grande mestre italiano concede a cada nova película o estatuto de tragédia social. É precisamente do entrelaçar profundo destas duas opções, uma respiração lírica e trágica e um traçado didáctico e algo demonstrativo, que surge a originalidade fecunda do cinema de Visconti.
Houve quem falasse, a propósito deste filme, de uma tragédia de Shakespeare, encenada como se se tratasse de uma ópera de Wagner. O sopro gélido do destino dos Nibelungos é mais do que evidente. A clareza de análise de um Shakespeare está sempre presente. Com a delicadeza suprema de um aristocrata, Visconti olha (e aproxima-se, como nesses travellings sucessivos, que aprofundam o olhar) a decadência de uma família e, através dela, a decadência de um certo Ocidente. A amálgama entre a febre do poder e a corrupção para o atingir, entre a perversidade e a doença, entre o assassinato e o estupro, conduzem os Essenbeck a um gradual mas inevitável afundamento moral, quando na aparência a Alemanha ressurgia triunfalista e conquistadora. Visconti, como raros, consegue transformar esta odisseia da mesquinhez e da traição numa fabulosa lição política (logo, ética) e num espectáculo sumptuoso, onde a espectacularidade dos meios, em lugar de abafar as intenções, as sublinha discretamente.
Director de actores à altura dos mais reputados, em "Os Malditos" tem Visconti à sua disposição um conjunto de personalidades de maleabilidade insuperável, o que ajuda a transformar esta película numa obra-prima de um classicismo depurado na sua construção, com sequências de um barroquismo absorvente, jogando por vezes até com elementos expressionistas. Referência a uma corrente estética que prenunciou o advento da monstruosidade alemã.


OS MALDITOS
Título original: La caduta degli dei ou Götterdämmerung

Realização: Luchino Visconti (Itália, RFA, 1969); Argumento: Nicola Badalucco, Enrico Medioli, Luchino Visconti; Produção: Attilio D'Onofrio, Ever Haggiag, Alfred Levy, Pietro Notarianni; Música: Maurice Jarre; Fotografia (cor): Pasqualino De Santis, Armando Nannuzzi; Montagem: Ruggero Mastroianni; Desing de produção: Vincenzo Del Prato; Direcção artística: Pasquale Romano; Guarda-roupa: Piero Tosi; Maquilhagem: Mauro Gavazzi, Luciano Vito; Direcção de produção: Giuseppe Bordogni, Anna Davini, Ernst Egerer, Hugo Leeb, Umberto Sambuco, Bruno Sassaroli, Gilberto Scarpellini; Assistentes de realização: Albino Cocco, Fanny Wessling; Som: Vittorio Trentino; Companhias de produção: Ital-Noleggio Cinematografico, Praesidens, Pegaso Cinematografica, Eichberg-Film; Intérpretes: Dirk Bogarde (Frederick Bruckmann), Ingrid Thulin (Sophie Von Essenbeck), Helmut Griem (Aschenbach), Helmut Berger (Martin Von Essenbeck), Renaud Verley (Gunther Von Essenbeck), Umberto Orsini (Herbert Thallman), Reinhard Kolldehoff (Konstantin Von Essenbeck), Albrecht Schoenhals (Joachim Von Essenbeck), Florinda Bolkan (Olga), Nora Ricci (gpvernanta), Charlotte Rampling (Elisabeth Thallman), Irina Wanka (Lisa), Karin Mittendorf (Thilde Thallman), Valentina Ricci (Erika Thalman), Wolfgang Hillinger, Bill Vanders, Howard Nelson Rubien, Werner Hasselmann, Peter Dane, Mark Salvage, Karl-Otto Alberty, John Frederick, Richard Beach, Klaus Höhne, Ernst Kuhr, Peter Brandt, Wolfgang Ehrlich, Ester Carloni, Antonietta Fiorito, Jessica Dublin, Piero Morgia, Karl Hass, Judith Burnett, Al Cliver, etc. Duração: 156 minutos; Distribuição em Portugal (DVD): Warner Brothers; Classificação etária: M/16 anos; Data de estreia em Portugal: 18 de Dezembro de 1969. 

sábado, 28 de fevereiro de 2015

FILMES EM EPISÓDIOS: OS MONSTROS (1963), OS NOVOS MONSTROS, VEJO TUDO NU (1969)



OS MONSTROS (1963), 
OS NOVOS MONSTROS, 
VEJO TUDO NU (1969)


As décadas de 60 e 70 do século passado foram uma época onde, sobretudo nas cinematografias europeias, particularmente nas francesa e italiana, se desenvolveu um tipo de filmes em episódios (em “sketches”), assinados por um mesmo realizador ou agrupando vários autores. Houve filmes e episódios para todos os gostos, mas aparecerem sobretudo muitas comédias. Dino Risi foi um dos introdutores deste tipo de filmes segmentados, com “I Mostri” (OS MONSTROS), uma co-produção ítalo-francesa de Mario Cecchi Gori, de 1963, com argumento de Agenore Incrocci, Ruggero Maccari, Elio Petri, Dino Risi, Furio Scarpelli e Ettore Scola. Dois monstros sagrados, Vittorio Gassman e Ugo Tognazzi, protagonizaram os diversos episódios. O filme conheceu um tremendo sucesso de público e de crítica e justificou sequelas directas, como “I Nuovi Mostri”, em 1977, e uma série de outras, das mais diversas proveniências.
O original de 1963 continha 20 episódios, e todo o filme, como já o dissemos, era dirigido por Dino Risi. Os episódios, recordados aqui de forma sucinta, eram "L'Educazione Sentimentale" (um pai que “educa” o filho querido a se desenrascar na vida, não olhando a nada nem a ninguém, a não ser ele próprio), "La Raccomandazione" (um actor de grande prestígio, de nome Gassman, que recomenda ao director de uma outra companhia um colega em desgraça, mas que acaba por impor outro em seu lugar, por forma a ver-se livre de um peso extra na sua tabela de ordenados), "Il Mostro" (uma foto para a posteridade, “à la minute”, de um homem que se vê rodeado por dois polícias verdadeiramente “monstruosos”, quando ele próprio é apontado como o “monstro” que matou cinco filhos e se fechou em casa), "Come un Padre" (um jovem descobre que a mulher, com quem casara há três meses, lhe é infiel e vai ter, de noite, com o melhor amigo para lhe contar o sucedido. Este ouve, desconfia das “certezas” do marido enganado, aconselha-lhe calma, antes de o enviar de volta a casa. Quando regressa à sua cama, confidencia à mulher do amigo, que ali se encontra, que no dia seguinte vai jantar a casa dela), "Presa dalla Vita" (uma velhota, muito velhota, é literalmente raptada para ser figurante durante a rodagem de um filme, durante a qual é atirada à água de uma piscina. É necessário repetir: 13ª take), "Il Povero Soldato" (um soldado é chamado à cidade para reconhecer o corpo da irmã assassinada. Descobre que ela era prostituta e que mantinha actualizado um diário onde anotava todas as visitas a clientes. O soldado, compungido pela dor, vai vender o diário ao jornal que mais der pelos escândalos da inditosa mana), "Che Vitaccia" (num bairro da lata um família vive em dificuldades. O marido chora-se pela vida difícil que leva, com a mulher doente, de cama, mas arranja tempo e dinheiro para ir ao estádio gritar pelo seu clube), "La Giornata dell'Onorevole" (um deputado da Democracia Cristã, que dorme num convento, é instado por um camarada de partido a retardar o reconhecimento de uma informação que anularia um negócio de um correligionário, o que o político faz de forma particularmente eficaz e sem “sujar as mãos”), "Latin Lovers" (dois “latin lovers” na praia “galam” todas as mulheres que lhe passam pela frente, mas acabam de mãos entrelaçadas), "Testimone Volontario" (uma testemunha oferece–se voluntariamente para depor num julgamento, e acaba na prisão, por causa da sua sede de verdade e justiça), "I Due Orfanelli" (dois órfãos pedintes), "L'Agguato" (um polícia que se esconde por detrás de um quiosque de venda de jornais para autuar cada carro que pára para comprar um jornal) , "Il Sacrificato" (um D. Juan que se despede de uma amante, “sacrificando-se por ela”, pelo “seu futuro”, pela “vida que está a perder”, segundo as suas palavras, para logo a seguir a trocar por outra, novinha em folha), "Vernissage" (a compra de um novo carro um Fiat 600, para a família, que é inaugurado por uma prostituta de rua), "La Musa" (reunido o júri literário, a “Diva” argumenta em defesa de um medíocre romance, mas de um jovem autor que ela bem conhece de noites passadas em conjunto), "Scende l'Oblio" (um casal bem instalado na vida assiste a um filme onde os nazis dizimam prisioneiros encostados a um muro. O marido refere que é “um muro como este” que quer a vedar a sua casa), "La Strada è di Tutti" (enquanto peão, o comportamento é um, quando ao volante de um pequeno carro pratica-se a antítese), "L'Oppio dei Popoli" (enquanto o marido assiste vidrado à televisão, a mulher recebe no quarto o amante de ocasião), "Il Testamento di Francesco" (um padre que prega a humildade e a simplicidade no pequeno ecrã e que se aperalta na caracterização da TV para aparecer “em beleza”)  e "La Nobile Arte" (a humilhação dos últimos dias dos grandes pugilistas que se arrastam à procura de um derradeiro combate).   Alguns destes episódios são pequenas obras-primas de miniaturista, outros são curtas anedotas de sucinto desenvolvimento e de curto alcance. Há os grotescos e os ternos, os violentamente críticos e os de mão leve, há alguns interpretados de forma magistral e os vividos com certa graça. Há mesmo um travesti de Gassman.
Há, sobretudo, retratos de uma certa fauna italiana (mas não só, não só!) que restituem uma panorâmica (parcial, deformada, claro, ou não se tratasse de “monstros”!) de algumas das taras da sociedade italiana do “boom económico” dos anos 50 e 60, mas que se irá manter (e reproduzir-se, para mal dos nossos pecados!) nos anos seguintes.
Ugo Tognazzi (“L'Educazione Sentimentale", “Il Mostro", "Come un Padre", Il povero soldato", "La giornata dell'onorevole", "Latin lovers", "Testimonio Volontario", "L'Agguato", "Vernissage", "Scenda l'Oblio",  "L'Oppio dei Popoli", "La Nobile Arte") e Vittorio Gassman ("La raccomandazione", "Il mostro", "Presa dalla vita", "Che vitaccia", "Latin lovers", "Testimonio volontario", "La musa", "I due orfanelli", "Il sacrificato", "La strada è di tutti", "Il testamento di Francesco" e "La nobile arte") eram os protagonistas. Por vezes notáveis.


“I Nuovi Mostri” (OS NOVOS MONSTROS), de 1977, dividia a direcção por três dos maiores autores da comédia italiana: além de Dino Risi, apareciam ainda colaborações de Ettore Scola e Mario Monicelli, e o argumento era da responsabilidade de Agenore Incrocci, Ruggero Maccari, Giuseppe Moccia, Ettore Scola e Bernardino Zapponi. Os principais actores eram Alberto Sordi, Vittorio Gassman, Ugo Tognazzi e Ornella Muti, e a obra era composta por 14 episódios na sua versão original, reduzida a 12 na versão que correu mundo. A importância desta obra foi tal que chegou a ser nomeada para o Óscar de melhor filme de língua estrangeira.
Os 14 episódios da versão original estavam assim divididos: dois dirigidos por Mario Monicelli ("Autostop", com Ornella Muti e "Pronto Soccorso", com Alberto Sordi); sete rodados por Ettore Scola ("L'Uccellino della Val Padana", com Ugo Tognazzi; "Il Sospetto", com Vittorio Gassman; "Cittadino Esemplare", com Vittorio Gassman; "Sequestro di Persona Cara", com Vittorio Gassman; "Come una Regina", com Alberto Sordi; "Hostaria!", com Vittorio Gassman e Ugo Tognazzi e ainda "Elogio Funebre", com Alberto Sordi). Finalmente, Dino Risi realiza cinco episódios: "Con i saluti degli amici", "Tantum ergo”, com Vittorio Gassman, "Mammina e mammone", com Ugo Tognazzi, "Pornodiva" e "Senza parole", com Ornella Muti.
Organizando-se, tal como o anterior filme da série, em torno de vários episódios colados uns aos outros sem aparente relação, a não ser aquela que o próprio título sugere, “novas monstruosidades sociais italianas”, “I Nouvi Monstri” oscila de novo entre a anedota mais ou menos inconsequente e o conto de ressonâncias trágicas ou patéticas que a simplicidade de processos, a qualidade da interpretação (Alberto Sordi está sensacional nesta obra, sobretudo em "Pronto Soccorso") e a intencionalidade crítica tornam irrecusáveis. Apesar de irregular tanto na densidade de cada episódio, na sua duração, no seu desenvolvimento, como nos seus propósitos, este é um filme que, tal como o anterior, oferece uma curiosa galeria de tipos e de situações que se impõem facilmente e justificam amplamente a visão. "Pronto soccorso", de Comencini, é uma pequena obra-prima, "Mammina e Mammone", com Ugo Tognazzi, "Pornodiva", ambos de Dino Risi, são excelentes apontamentos de um universo demente, "Come una Regina", com Alberto Sordi, "Hostaria!", com Vittorio Gassman e Ugo Tognazzi e ainda "Elogio Funebre", com Alberto Sordi, os três de Ettore Scola, são outros tantos momentos de um doloroso burlesco que joga com o que há de mais trágico e de mais sórdido na alma humana.


Outro dos filmes em episódios assinado inteiramente por Dino Risi é “VEJO TUDO NÚ”, de 1969, com participação de Nino Manfredi em todos os sketches, que abordam a obsessão sexual que se apoderou da sociedade ocidental por essa época de “flower power” e de “make love not war”. O sexo está presente em cada olhar. “La Diva” é a própria Sylva Koscina que socorre um ferido numa estrada e que o leva ao hospital, onde provoca tamanho rebuliço que o ferido morre sem tratamento, mas ela consegue reunir à sua volta todos os médicos e enfermeiros de serviço. Em “Processo a Porte Chiuse' um rústico, que abusa sexualmente de uma galinha, defende-se da acusação, sublinhando a irresistível sedução da franga. “Ornella” reúne travesti e homossexualidade num jogo de esconde-esconde; “Il Guardone” retrata um “voyeurista” tão obcecado com corpos nus que se excita com o seu próprio rabo reflectido num espelho e que toma pelo de uma mulher; “L'Ultima Vergine” reúne uma mulher solitária e um empregado da companhia de telefones que ela toma por um tarado sexual; “Motrice Mia” é um dos episódios mais célebres e aborda o caso de um fetichista com comboios que atinge o orgasmo quando eles lhe passam por cima, quando se encontra estendido entre os carris. Bom chefe de família, transmuda-se todas as noites, à mesma hora. Finalmente, “Vedo Nudo” ou a história de um publicitário que não consegue ver qualquer mulher senão nua, à força de as fotografar sempre assim. O sexo a dominar a mente de toda a gente, como consequência sobretudo de uma sociedade de consumo que tudo vende, criando necessidades extras através de um marketing impositivo.
Dino Risi foi, dos autores transalpinos, um dos que melhor simbolizaram um certo espírito da comédia popular italiana. Ao dizermos popular, queremos referir ser ela simultaneamente um reflexo do próprio povo (das suas características, virtudes e defeitos), e um produto facilmente perceptível pelas plateias de todas as origens sociais. De onde o êxito de crítica e de público que muitas das suas obras tiveram ao longo da sua extensa actividade. Dino Risi teve ainda a vantagem, que alguns outros colegas seus nem sempre atingiram, de ser um autor de um humor enraizado no povo, mas de expressão subtil, denunciando uma sensibilidade elegante e requintada, o que se sente bem, quer ao nível dos “décors” escolhidos, quer ainda na delicadeza e suavidade da sua câmara, na forma como ela se movimenta e enquadra os actores.

OS MONSTROS
Título original: I Mostri
Realização: Dino Risi (Itália, França, 1963); Argumento: Agenore Incrocci, Furio Scarpelli, Elio Petri, Dino Risi, Ettore Scola, Ruggero Maccari, Ettore Scola, Ruggero Maccari; Produção: Mario Cecchi Gori; Música: Armando Trovajoli; Fotografia (p/b): Alfio Contini; Montagem: Maurizio Lucidi; Design de produção: Ugo Pericoli; Decoração: Arrigo Breschi; Guarda-roupa: Ugo Pericoli; Maquilhagem: Gustavo Sisi, Otello Sisi; Direcção de produção: Pio Angeletti, Umberto Santoni; Assistentes de Realização: Vana Caruso; Som: Fausto Ancillai, Guido Ortenzi; Companhias de produção: Fair Film, Incei Film, Montfluor Film, Dicifrance; Intérpretes: Ugo Tognazzi / Il padre (segmento "L'Educazione sentimentale") / (carabiniere / segmento "Il mostro") / Stefano (segmento "Come un padre") / Battacchi (segmento "Il povero soldato") / L'onorevole (segmento "La giornata dell'onorevole") / latin lover (segmento "Latin lovers") / Pilade Fioravanti (segmento "Testimonio volontario") / il vigile (segmento "L'agguato") / Impiegato (segmento "Vernissage") / Spettatore (segmento "Scenda l'oblio") / Marito (segmento "L'oppio dei popoli") / Guarnacci (segmento "La nobile arte"); Vittorio Gassman / (segmentos "La raccomandazione", "Il mostro", "Presa dalla vita", "Che vitaccia", "Latin lovers", "Testimonio volontario", segmentos "La musa", "I due orfanelli", "Il sacrificato", "La strada è di tutti", "Il testamento di Francesco", "La nobile arte"), Lando Buzzanca / Luchino (segmento "Come un padre"); Marisa Merlini / Paola Fioravanti (segmento "Testimone volontario"), Rika Dialina / Anna (segmento "Il Sacrificato"), Michèle Mercier / Maria (segmento "L'opio dei popoli"), Ricky Tognazzi / Paoletto (segmento "L'educazione sentimentale"), Franco Castellani / Paolo (segmento "La Raccomandazione"), Maria Mannelli / Olimpia (segmento "Presa dalla vita"), Mario Laurentino / Nino (segmento "Il povero soldato"), Angela Portaluri / Ersilia (segmento "Che vitacchia"), Yacinto / Yaria Aristide (segmento "La Giornata dell'onorevole"), Franco Caracciolo / Zenone (segmento "La giornata dell'onorevole"), Carlo Kechler / Nino (segmento "La giornata dell'onorevole"), Ugo Attanasio / Lamberto (segmento "La Giornata dell'onorevole”), Luciana Vincenzi / Gina (segmento "Latin lovers"), Carlo Bagno / Gianni (segmento "Testimone volontario"), Daniele Vargas / Salvatore (segmento "I Due orfanelli”), Mario Cecchi Gori / Automobilista (segmento "L’ Agguato"), Françoise Leroy / Giuliana (segmento "Il Sacrificato"), Sal Borgese / Umberto (segmento "La musa"), Jacques Herlin / Lachapelle (segmento "La musa"), Maria Luisa Rispoli / Flavia (segmento "Scenda l'oblio"), Marino Masé / amante (segmento "L'oppio dei popoli"), Riccardo Paladini / Luigi (segmento "Il Testamento di Francesco"), Mario Brega (segmento "La Nobile arte"), Nino Nini / Enrico (segmento "La nobile arte"), Ottavia Panunzi (segmento "La nobile arte"), Lucia Modugno / Clara Antinori (segmento "La Nobile arte"), etc. Duração: 115 minutos; Classificação etária: M/ 12 anos; Distribuição em Portugal (DVD): Lusomundo Audiovisuais.

VEJO TUDO NÚ
Título original: Vedo Nudo
Realização: Dino Risi (Itália, 1969); Argumento: Fabio Carpi, Jaja Fiastri, Ruggero Maccari, Dino Risi, Bernardino Zapponi; Produção: Pio Angeletti, Adriano De Micheli; Música: Armando Trovajoli; Fotografia (cor): Alessandro D'Eva, Erico Menczer; Montagem: Alberto Gallitti; Design de produção: Luciano Ricceri; Guarda-roupa: Ezio Altieri; Maquilhagem: Iolanda Conti, Michele Trimarchi; Direcção de produção: Hermes Gallippi, Antonio Mazza; Assistentes de Realização: Adriano Incrocci; Som: Vittorio Massi, Mario Morigi, Ludovico Scardella; Companhias de produção: Dean Film, Jupiter Generale Cinematográfica; Intérpretes: Nino Manfredi (vários papaeis), Sylva Koscina, Véronique Vendell (Manuela), Umberto D'Orsi (Federico), Daniela Giordano (Luísa), Nerina Montagnani, Bruno Boschetti, Marcello Prando, Guido Spadea, Enrico Maria Salerno, Luca Sportelli, John Karlsen, etc. Duração: 105 minutos; Classificação etária: M/ 12 anos; Distribuição em Portugal (DVD): Lusomundo Audiovisuais.