A
DAMA SEM CAMÉLIAS (1953)
Depois
de “Escândalo de Um Amor”, “A Dama sem Camélias” é, possivelmente, um título
menor na filmografia deste cineasta italiano, mas ainda assim extremamente
interessante, dado que alguns dos temas e das preocupações do realizador se
encontram já aqui esboçados.
Clara
Manni, actriz de cinema, famosa pela sua beleza e atributos físicos, casa-se
com um produtor que, por ciúme, a quer afastada de obras onde exponha o físico
e se mostra decidido a lançá-la em filmes diferentes, mais exigentes e
“sérios”, segundo diz. Experimenta uma versão de “Joana D’Arc”, experiência
que, no entanto, redunda num fracasso. Alguém, à saída de uma sessão, protesta:
“Quem se julga ela? Ingrid Bergman?” (curiosamente, por essa altura Rossellini
filmava com a Bergman uma versão de “Joana D’Arc, donde a referência).
Clara
abandona então o marido, envolve-se numa aventura sentimental com um diplomata,
que não leva a lado nenhum, e acaba por resignar-se a aparecer em filmes
medíocres onde é apenas mais um objecto entre outros, aceitando em simultâneo
ser a amante ocasional de um embaixador muito ocupado. No fundo, uma “Dama das
Camélias” que não corresponde inteiramente ao original, perdendo pelo caminho a
dignidade das “camélias”. Mas o mais interessante nesta história é
definitivamente a descrição do ambiente cinematográfico de uma Itália do
pós-guerra que procura a facilidade, o agradar a qualquer preço. Produtores que
só olham para a mulher como símbolo sexual e receita de bilheteira,
realizadores que são completamente ultrapassados pelas regras do mercado,
argumentos completamente desligados da realidade e cada vez mais
imbecializantes e, sobretudo, a forma desumana como se tratam as pessoas e os
seus esforços para melhorarem no trabalho. O cinema visto apenas como
indústria, como fonte de lucro fácil, como entretenimento para adormecer as
plateias. Claro que nem todo o cinema italiano era assim, por essa altura, a
verdade é que Visconti, Rossellini, De Sica, Fellini, Antonioni e tantos outros
conseguiam estabelecer filmografias de invulgar coerência e qualidade, mas é
precisamente nessa dualidade que o filme se estriba para criticar um tipo de
produção inconsequente (ou não tão inconsequente assim). Quase todo o filme se
passa entre cenas de rodagem ou de preparação de filmes, em escritórios e
hotéis, ou nos estúdios da Cinecittá, e a credibilidade dos ambientes, das
conversas, das indecisões, das polémicas, dos arrufos é magnificamente dada
pela câmara de Antonioni.
De
resto, no centro de “Dama sem Camélias”, voltamos a ter a mulher, que
lentamente se transforma numa das preocupações fundamentais do cinema de
Antonioni. Há, todavia, que notar que esta anti-heroína de 1953, passiva,
dominada do exterior, pela vontade do público, do marido, do amante, essencialmente
joguete do poder masculino, se afasta um pouco do modelo feminino que o autor
propõe, anos depois, concretizado em obras fundamentais como “A Noite”, “O
Eclipse”, “Deserto Vermelho”, “O Mistério de Oberwald”, etc.
Procurando
já furtar-se a um neo-realismo que estiolava, mas agarrado ainda a algumas das
suas características, “A Dama sem Camélias” é um filme de transição, importante
para definir uma etapa que ajuda a compreender um percurso. Lucia Bosé é de
novo magnífica, desta feita ao lado de um brilhante Gino Cervi, e de uns muito
interessantes Andrea Checchi, Ivan Desny ou Alain Cuny.
Curiosidade: o filme mostra cenas filmadas durante o
Festival Internacional de Cinema de Veneza, onde dois anos antes tinha passado
“Cronaca di Un Amore”.
A DAMA SEM CAMÉLIAS
Título original: La Signora
senza Camelie
Realização: Michelangelo Antonioni
(Itália, França, 1953); Argumento: Michelangelo Antonioni,com colaboração de
Suso Cecchi D'Amico, Francesco Maselli, Pier Maria Pasinetti; Produção:
Domenico Forges Davanzati; Música: Giovanni Fusco; fotografia (p/b): Enzo
Serafin; Montagem: Eraldo Da Roma; Design de produção: Gianni Polidori;
Decoração: Gianni Polidori, Maquilhagem: Gabriella Borzelli, Giovanni Donelli;
Direcção de produção: Carmine Bologna, Gino Doniselli, Claudio Forges
Davanzati, Pietro Notarianni; Assistente de realização: Francesco Maselli; Som:
Kurt Doubrowsky; Companhias de produção: Produzioni Domenico Forges Davanzati,
Ente Nazionale Industrie Cinematografiche; Intérpretes:
Lucia Bosé (lara Manni), Gino Cervi (Ercole), Andrea Checchi (Gianni Franchi),
Ivan Desny (Nardo Rusconi), Monica Clay (Simonetta), Alain Cuny (Lodi), Anna
Carena (mãe de Clara), Enrico Glori (realizador), Laura Tiberti, Oscar
Andriani, Gisella Sofio, Elio Steiner, Luisa Rivelli, Nino Dal Fabbro, Emma
Druetti, Rita Giannuzzi, Rita Mara, Lyla Rocco, Nuri Neva Sangro, Xenia
Valderi, etc. Duração: 105 minutos;
Distribuição em Portugal: Costa do Castelo Filmes (DVD); Classificação etária:
M / 12 anos; Estreia em Portugal: 7 de Maio de 1954. Nunca estreado
comercialmente em Portugal.
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