quinta-feira, 10 de setembro de 2015

A DAMA SEM CAMÉLIAS


A DAMA SEM CAMÉLIAS (1953)

Depois de “Escândalo de Um Amor”, “A Dama sem Camélias” é, possivelmente, um título menor na filmografia deste cineasta italiano, mas ainda assim extremamente interessante, dado que alguns dos temas e das preocupações do realizador se encontram já aqui esboçados.
Clara Manni, actriz de cinema, famosa pela sua beleza e atributos físicos, casa-se com um produtor que, por ciúme, a quer afastada de obras onde exponha o físico e se mostra decidido a lançá-la em filmes diferentes, mais exigentes e “sérios”, segundo diz. Experimenta uma versão de “Joana D’Arc”, experiência que, no entanto, redunda num fracasso. Alguém, à saída de uma sessão, protesta: “Quem se julga ela? Ingrid Bergman?” (curiosamente, por essa altura Rossellini filmava com a Bergman uma versão de “Joana D’Arc, donde a referência).
Clara abandona então o marido, envolve-se numa aventura sentimental com um diplomata, que não leva a lado nenhum, e acaba por resignar-se a aparecer em filmes medíocres onde é apenas mais um objecto entre outros, aceitando em simultâneo ser a amante ocasional de um embaixador muito ocupado. No fundo, uma “Dama das Camélias” que não corresponde inteiramente ao original, perdendo pelo caminho a dignidade das “camélias”. Mas o mais interessante nesta história é definitivamente a descrição do ambiente cinematográfico de uma Itália do pós-guerra que procura a facilidade, o agradar a qualquer preço. Produtores que só olham para a mulher como símbolo sexual e receita de bilheteira, realizadores que são completamente ultrapassados pelas regras do mercado, argumentos completamente desligados da realidade e cada vez mais imbecializantes e, sobretudo, a forma desumana como se tratam as pessoas e os seus esforços para melhorarem no trabalho. O cinema visto apenas como indústria, como fonte de lucro fácil, como entretenimento para adormecer as plateias. Claro que nem todo o cinema italiano era assim, por essa altura, a verdade é que Visconti, Rossellini, De Sica, Fellini, Antonioni e tantos outros conseguiam estabelecer filmografias de invulgar coerência e qualidade, mas é precisamente nessa dualidade que o filme se estriba para criticar um tipo de produção inconsequente (ou não tão inconsequente assim). Quase todo o filme se passa entre cenas de rodagem ou de preparação de filmes, em escritórios e hotéis, ou nos estúdios da Cinecittá, e a credibilidade dos ambientes, das conversas, das indecisões, das polémicas, dos arrufos é magnificamente dada pela câmara de Antonioni.

De resto, no centro de “Dama sem Camélias”, voltamos a ter a mulher, que lentamente se transforma numa das preocupações fundamentais do cinema de Antonioni. Há, todavia, que notar que esta anti-heroína de 1953, passiva, dominada do exterior, pela vontade do público, do marido, do amante, essencialmente joguete do poder masculino, se afasta um pouco do modelo feminino que o autor propõe, anos depois, concretizado em obras fundamentais como “A Noite”, “O Eclipse”, “Deserto Vermelho”, “O Mistério de Oberwald”, etc.
Procurando já furtar-se a um neo-realismo que estiolava, mas agarrado ainda a algumas das suas características, “A Dama sem Camélias” é um filme de transição, importante para definir uma etapa que ajuda a compreender um percurso. Lucia Bosé é de novo magnífica, desta feita ao lado de um brilhante Gino Cervi, e de uns muito interessantes Andrea Checchi, Ivan Desny ou Alain Cuny.
Curiosidade: o filme mostra cenas filmadas durante o Festival Internacional de Cinema de Veneza, onde dois anos antes tinha passado “Cronaca di Un Amore”.

A DAMA SEM CAMÉLIAS
Título original: La Signora senza Camelie

Realização: Michelangelo Antonioni (Itália, França, 1953); Argumento: Michelangelo Antonioni,com colaboração de Suso Cecchi D'Amico, Francesco Maselli, Pier Maria Pasinetti; Produção: Domenico Forges Davanzati; Música: Giovanni Fusco; fotografia (p/b): Enzo Serafin; Montagem: Eraldo Da Roma; Design de produção: Gianni Polidori; Decoração: Gianni Polidori, Maquilhagem: Gabriella Borzelli, Giovanni Donelli; Direcção de produção: Carmine Bologna, Gino Doniselli, Claudio Forges Davanzati, Pietro Notarianni; Assistente de realização: Francesco Maselli; Som: Kurt Doubrowsky; Companhias de produção: Produzioni Domenico Forges Davanzati, Ente Nazionale Industrie Cinematografiche; Intérpretes: Lucia Bosé (lara Manni), Gino Cervi (Ercole), Andrea Checchi (Gianni Franchi), Ivan Desny (Nardo Rusconi), Monica Clay (Simonetta), Alain Cuny (Lodi), Anna Carena (mãe de Clara), Enrico Glori (realizador), Laura Tiberti, Oscar Andriani, Gisella Sofio, Elio Steiner, Luisa Rivelli, Nino Dal Fabbro, Emma Druetti, Rita Giannuzzi, Rita Mara, Lyla Rocco, Nuri Neva Sangro, Xenia Valderi, etc. Duração: 105 minutos; Distribuição em Portugal: Costa do Castelo Filmes (DVD); Classificação etária: M / 12 anos; Estreia em Portugal: 7 de Maio de 1954. Nunca estreado comercialmente em Portugal. 

Sem comentários:

Enviar um comentário