O
MISTÉRIO DE OBERWALD (1980)
Apresentado em 1980 no Festival de
Veneza, “O Mistério de Oberwald” é uma obra que abre novas perspectivas na
carreira de Antonioni, aproximando-o do clima operático dos filmes de Luchino
Visconti, esse outro grande de Itália, da mesma forma que experimenta novas
técnicas e processos de filmagem: a obra foi primitivamente rodada para
televisão, directamente em vídeo, sendo posteriormente passada a película e
ampliada para 35 milímetros. É evidente que no plano meramente narrativo estas
experiências não trazem nada de espectacularmente revolucionário, sendo esta
obra, inclusive, uma das mais clássicas e lineares no conjunto da filmografia
de Antonioni. Mas, no domínio da cor e da sua expressividade (um campo que
vinha preocupando Antonioni, como o demonstra, num caso extremo, “O Deserto
Vermelho”), não deixa de justificar curiosas reflexões, bem assim como no plano
da montagem e da utilização de efeitos especiais (é através de um simples
controlo electrónico que Antonioni faz variar a cor dentro do mesmo plano,
veja-se por exemplo a corrida a cavalo de Monica Vitti, atravessando uma
paisagem que vai gradualmente transformando as suas tonalidades, ou ainda o
plano em que o sangue invade progressivamente o ecrã, inundando com o seu
vermelho todo o enquadramento).
Baseado numa peça teatral de Jean
Cotteau, “A Águia de Duas Cabeças”, “O Mistério de Oberwald” é uma história de
amor, nos domínios do poder e da revolta, que tem por protagonista uma jovem
rainha da Áustria, viúva de Luís da Baviera (o mesmo que já estivera na base de
um dos derradeiros títulos de Visconti), que se apaixona por um poeta
anarquista que um dia penetra nos seus aposentos com a missão de a matar. A
rainha concede ao jovem revolucionário três dias para ele executar a sua
incumbência, Mas tudo parece tomar um outro rumo, quando o amor atravessa os
seus olhares. As intrigas da corte, os jogos políticos, e o facto de ambos
pertencerem a classes sociais diferentes, antagónicas mesmo, de impossível
conciliação, conduz inexoravelmente à tragédia, num crescendo de emoção que
Antonioni controla de forma admirável, com uma grande economia de meios.
Interessante será ainda fazer notar a
complexidade do que fica exposto e que ultrapassa a simples história de um amor
fatídico. Esta paixão que aproxima uma rainha do seu carrasco, que procura
ligar os contrários através do coração, exemplifica ainda, subtilmente, os
mecanismos do poder que nunca se deixam de exercer. Falhando o assassínio da
rainha, no momento em que penetra nos seus aposentos pela primeira vez, o jovem
poeta anarquista acaba transformado numa marioneta, inconsciente e
possivelmente involuntária, do poder. Poder que se exerce quer através dos
conselheiros e das suas intrigas, como inclusivamente através da vontade da
rainha, que acabará por conduzir o seu jogo e levar o jovem a assassiná-la,
como ela própria desejaria. Mesmo na sua morte (um suicídio por interposta
pessoa) é o poder a controlar os fios que dominam a teia da grande engrenagem.
Com este filme excepcional, Antonioni
retoma o contacto com o seu público e regressa de novo a um primeiro plano do
cinema contemporâneo, novamente com a colaboração de Monica Vitti, sua actriz
predilecta em alguns filmes de bela recordação. Admirável e sumptuoso poema de
amor e morte, “O Mistério de Oberwald” é bem o regresso de um mestre. Que se
saúda, por isso mesmo.
O
MISTÉRIO DE OBERWALD
Título
original: Il Mistero di Oberwald
Realização: Michelangelo
Antonioni (Itália, RFA, 1980); Argumento: Michelangelo Antonioni, Tonino
Guerra, segundo peça teatral de Jean Cocteau ("L'Aigle a Deux
Têtes"); Produção: Alessandro von Norman; Música: Guido Turchi; Fotografia
(cor): Luciano Tovoli; Montagem: Michelangelo Antonioni, Francesco Grandoni;
Design de produção: Mischa Scandella; Decoração: Stefania Conti; Guarda-roupa:
Vittoria Guaita; Maquilhagem: Angelo Aprile, Grazia De Rossi, Roberto del
Brocco,Miranda Liviero; Direcção de produção: Giancarlo Bernardoni, Bruno
Cavagna, Vittorio Petri; Assistentes de realização: Wanda Lazzarino;
Departamento de arte: Silvano Spaccesi; Som: Fausto Ancillai, Fernando Caso,
Gianfranco Desideri, Fiorenza Muller, Mario Nessina, Alessandro Peticca;
Efeitos especiais: Armando Grilli, Vito Rossi; Intérpretes: Monica Vitti (a rainha), Paolo Bonacelli (conde de
Foehn), Franco Branciaroli (Sebastian), Luigi Diberti (Willenstein), Elisabetta
Pozzi (Edith de Berg), Amad Saha Alan (Tony), Carla Buzzanca, etc. Duração: 129 minutos;
Classificação etária: M/12 anos; Distribuição em Portugal (DVD): Costa do
Castelo Filmes; Data de estreia em Portugal: 30 de Outubro de 1981.
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