sexta-feira, 11 de setembro de 2015

O MISTÉRIO DE OBERWALD


O MISTÉRIO DE OBERWALD (1980)

Apresentado em 1980 no Festival de Veneza, “O Mistério de Oberwald” é uma obra que abre novas perspectivas na carreira de Antonioni, aproximando-o do clima operático dos filmes de Luchino Visconti, esse outro grande de Itália, da mesma forma que experimenta novas técnicas e processos de filmagem: a obra foi primitivamente rodada para televisão, directamente em vídeo, sendo posteriormente passada a película e ampliada para 35 milímetros. É evidente que no plano meramente narrativo estas experiências não trazem nada de espectacularmente revolucionário, sendo esta obra, inclusive, uma das mais clássicas e lineares no conjunto da filmografia de Antonioni. Mas, no domínio da cor e da sua expressividade (um campo que vinha preocupando Antonioni, como o demonstra, num caso extremo, “O Deserto Vermelho”), não deixa de justificar curiosas reflexões, bem assim como no plano da montagem e da utilização de efeitos especiais (é através de um simples controlo electrónico que Antonioni faz variar a cor dentro do mesmo plano, veja-se por exemplo a corrida a cavalo de Monica Vitti, atravessando uma paisagem que vai gradualmente transformando as suas tonalidades, ou ainda o plano em que o sangue invade progressivamente o ecrã, inundando com o seu vermelho todo o enquadramento).
Baseado numa peça teatral de Jean Cotteau, “A Águia de Duas Cabeças”, “O Mistério de Oberwald” é uma história de amor, nos domínios do poder e da revolta, que tem por protagonista uma jovem rainha da Áustria, viúva de Luís da Baviera (o mesmo que já estivera na base de um dos derradeiros títulos de Visconti), que se apaixona por um poeta anarquista que um dia penetra nos seus aposentos com a missão de a matar. A rainha concede ao jovem revolucionário três dias para ele executar a sua incumbência, Mas tudo parece tomar um outro rumo, quando o amor atravessa os seus olhares. As intrigas da corte, os jogos políticos, e o facto de ambos pertencerem a classes sociais diferentes, antagónicas mesmo, de impossível conciliação, conduz inexoravelmente à tragédia, num crescendo de emoção que Antonioni controla de forma admirável, com uma grande economia de meios.


Interessante será ainda fazer notar a complexidade do que fica exposto e que ultrapassa a simples história de um amor fatídico. Esta paixão que aproxima uma rainha do seu carrasco, que procura ligar os contrários através do coração, exemplifica ainda, subtilmente, os mecanismos do poder que nunca se deixam de exercer. Falhando o assassínio da rainha, no momento em que penetra nos seus aposentos pela primeira vez, o jovem poeta anarquista acaba transformado numa marioneta, inconsciente e possivelmente involuntária, do poder. Poder que se exerce quer através dos conselheiros e das suas intrigas, como inclusivamente através da vontade da rainha, que acabará por conduzir o seu jogo e levar o jovem a assassiná-la, como ela própria desejaria. Mesmo na sua morte (um suicídio por interposta pessoa) é o poder a controlar os fios que dominam a teia da grande engrenagem.
Com este filme excepcional, Antonioni retoma o contacto com o seu público e regressa de novo a um primeiro plano do cinema contemporâneo, novamente com a colaboração de Monica Vitti, sua actriz predilecta em alguns filmes de bela recordação. Admirável e sumptuoso poema de amor e morte, “O Mistério de Oberwald” é bem o regresso de um mestre. Que se saúda, por isso mesmo.



O MISTÉRIO DE OBERWALD
Título original: Il Mistero di Oberwald

Realização: Michelangelo Antonioni (Itália, RFA, 1980); Argumento: Michelangelo Antonioni, Tonino Guerra, segundo peça teatral de Jean Cocteau ("L'Aigle a Deux Têtes"); Produção: Alessandro von Norman; Música: Guido Turchi; Fotografia (cor): Luciano Tovoli; Montagem: Michelangelo Antonioni, Francesco Grandoni; Design de produção: Mischa Scandella; Decoração: Stefania Conti; Guarda-roupa: Vittoria Guaita; Maquilhagem: Angelo Aprile, Grazia De Rossi, Roberto del Brocco,Miranda Liviero; Direcção de produção: Giancarlo Bernardoni, Bruno Cavagna, Vittorio Petri; Assistentes de realização: Wanda Lazzarino; Departamento de arte: Silvano Spaccesi; Som: Fausto Ancillai, Fernando Caso, Gianfranco Desideri, Fiorenza Muller, Mario Nessina, Alessandro Peticca; Efeitos especiais: Armando Grilli, Vito Rossi; Intérpretes: Monica Vitti (a rainha), Paolo Bonacelli (conde de Foehn), Franco Branciaroli (Sebastian), Luigi Diberti (Willenstein), Elisabetta Pozzi (Edith de Berg), Amad Saha Alan (Tony), Carla Buzzanca, etc. Duração: 129 minutos; Classificação etária: M/12 anos; Distribuição em Portugal (DVD): Costa do Castelo Filmes; Data de estreia em Portugal: 30 de Outubro de 1981.

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