AS AMIGAS (1955)
“Le
Amiche” é um dos poucos argumentos adaptados de Michelangelo Antonioni. Escrito
de colaboração com Suso Cecchi D'Amico e Alba De Cespedes, parte de um conto ou
novela de Cesare Pavese, "Tra Donne Sole", que integra a obra “La
Belle Estafe”. Não andarei muito longe da verdade se o considerar o mais fraco
dos filmes desta primeira fase de Antonioni. Desconheço o texto original de
onde parte, que me dizem relativamente diferente do que o cineasta nos
apresenta, ainda que siga em traços gerais a trama de Pavese, escritor nascido
em Turim, que passou pelo partido fascista, transitando depois para o partido
comunista, tendo-se suicidado com 41 anos e uma talentosa carreira de poeta e
ficcionista, além de ensaísta literário, dedicando-se sobretudo à literatura
norte-americana. De carácter sombrio e depressivo, isso mesmo se transmite para
o filme de Antonioni, que aborda as relações de cinco mulheres que se encontram
acidentalmente em Turim, todas elas evoluindo nos ambientes da média-alta burguesia.
Curiosamente,
o filme inicia-se num tom que o cola a “Escândalo de Amor”. Clelia, nascida num
bairro pobre de Turim, mas a trabalhar numa casa de moda em Roma, regressa à
sua terra natal para aí abrir uma sucursal da casa mãe. No hotel onde se instala,
descobre uma jovem mulher, Rosetta Savoni, filha de boas famílias, que tentou
suicidar-se. Depois de uma lavagem ao estômago, recupera, mas um grupo de
amigas, Momina
De Stefani, Mariella e Nene, depois de cativarem Clelia para a causa, tentam
perceber o que terá estado na base do desespero de Rosetta. Estabelece-se então
uma pequena investigação particular que lentamente vai desvendando razões
emocionais para a atitude extrema de Rosetta. Ao mesmo tempo que se
acompanham várias outras
peripécias amorosas, vamos assistindo ao evoluir das obras da nova boutique de
moda, até se encontrar pronta para a abertura ao público.
Há,
porém, entre outras, duas questões que dificilmente se admitem na construção do
filme: a ligação entre estas duas linhas ficcionais surge por vezes desgarrada,
sem grande coerência; a descrição, algo primária e maniqueísta da existência
daquele grupo de mulheres e dos respectivos acompanhantes masculinos, deriva do
entendimento de um neo-realismo redutor, que, afastando-se da luta de classes
como tema, se concentra na análise de uma certa burguesia para lhe esventrar
vícios e defeitos. Há mesmo uma personagem masculina, Tony, que é a que se
aproxima mais do mundo do trabalho, que é apresentada como protótipo a seguir,
muito distante de duas outras, Lorenzo e Cesare Pedoni, o arquitecto, que se
mostram arrogantes e arrivistas, como convém ao esquema. Mas a verdade é que o
argumento por vezes apresenta falhas difíceis de digerir, e uma das não menos
graves encontra-se no final, quando Clelia e Tony se afastam, apesar de se
amarem, porque ele trabalha em Turim e ela regressa a Roma. Se se amavam tanto
não poderiam reunir os trapinhos e viver e trabalhar na mesma cidade? Não,
porque as razões ideológicas do argumento queriam mostrar que duas personagens
de estratos sociais diferentes (mas não tão diferentes assim, bem vistas as
coisas) não se podem conciliar.
Mais um
elo do progressivo deslizar do neo-realismo de análise social das classes
operárias para a observação crítica da vida da burguesia italiana do
pós-guerra, “As Amigas” é igualmente uma etapa na construção de um estilo e de
um projecto por parte de Antonioni. Não tão rigoroso como os seus filmes
anteriores, mantém todavia o interesse pelo universo feminino, pelo
enquadramento paisagístico e urbano, por uma secura de linguagem
cinematográfica que iria atingir o seu apogeu pouco depois.
É
interessante notar que, depois de “Cronaca di un Amore” (50) e “La Signora
senza Camelie” (53), depois de “I Vinti” (53) e do episódio de “L'Amore in
Città”, sintomaticamente chamado “Tentato Suicídio”, nos apareça este “Le
Amiche”, que nos faz recuar um pouco ao neo-realismo inicial, mas sem a
frescura e a simplicidade de um De Sica, Visconti, Fellini ou Rossellini. Mas
Antonioni reserva-nos imediatamente a seguir um boa surpresa: “O Grito”.
Ressalve-se
o excelente trabalho do fotógrafo Gianni Di Venanzo e a boa partitura
musical de Giovanni Fusco. Cinco actrizes dão vida a personagens nem sempre
muito consistentes, Eleonora Rossi Drago, Valentina Cortese, Yvonne Furneaux,
Madeleine Fischer e Anna Maria Pancani, e três actores, Gabriele Ferzetti,
Franco Fabrizi e Luciano Volpato, sustentam o elenco masculino.
AS AMIGAS
Título original: Le Amiche
Realização: Michelangelo Antonioni
(Itália, 1955); Argumento: Michelangelo Antonioni, Suso Cecchi D'Amico, Alba De
Cespedes, segundo conto de Cesare Pavese ("Tra Donne Sole", do livro
“la Belle Estafe”); Produção. Giovanni Addessi; Música: Giovanni Fusco;
Fotografia (p/b): Gianni Di Venanzo; Montagem: Eraldo Da Roma; Design de
produção: Gianni Polidori; Decoração: Gianni Polidori; Guarda-roupa: Enzo
Bulgarelli; Maquilhagem: Gabriella Borzelli, Anna Cristofani, Giovanni Donelli;
Direcção de produção: Gino Millozza, Pietro Notarianni; Assistente de realização:
Luigi Vanzi; Som: Giulio Canavero, Emilio Rosa, Ennio Sensi; Companhia de
produção: Trionfalcine; Intérpretes:
Eleonora Rossi Drago (Clelia), Gabriele Ferzetti (Lorenzo), Franco Fabrizi
(Cesare Pedoni, o arquitecto), Valentina Cortese (Nene), Yvonne Furneaux
(Momina De Stefani), Madeleine Fischer (Rosetta Savoni), Anna Maria Pancani
(Mariella), Luciano Volpato (Tony), Maria Gambarelli (a empregada de Clelia),
Ettore Manni (Carlo), Marcella Ferri, Alessandro Fersen, etc. Duração: 104 minutos; Distribuição em
Portugal: Costa do Castelo Filmes; Classificação etária: M / 12 anos.
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