ESCÂNDALO DE AMOR (1950)
Nascido em Ferrara, em 1912,
depois de vários estudos e profissões, entre as quais o jornalismo,
Michelangelo Antonioni inscreve-se no Centro Experimental de Cinema, em Roma,
colaborando, simultaneamente, em diversas publicações, nomeadamente na revista “Cinema”.
Foi em 1942 que iniciou o seu trabalho no cinema, como assistente de Enrico
Fulchignoni ("I Due Foscari") e também de Marcel Carné, em "Os
Trovadores Malditos" ("Les Visiteurs du Soir"). A partir dessa
altura, dedica-se totalmente ao cinema, escrevendo diversos argumentos para
películas dirigidas por outros, ao mesmo tempo que começa a realizar as suas
primeiras obras, ainda no domínio da curta-metragem. Como argumentista
colaborou em "Il Due Foscari", de Enrico Fuichignoni (1942); "Um
Pilota Ritorna", de Roberto Rossellini; "Caccia Trágica", de
Guiseppe de Santis (1947) e "O Sheik Branco" (Lo Sceicco Bianco), de
Frederico Fellini (1952). Como realizador de curtas-metragens, assinou alguns
títulos relevantes que se inscrevem directamente no que poderemos classificar
como a génese do neo-realismo, como "Gente del Po" (1943-1947);
"Netteza Urbana" (1948); "L'Amorosa Menzogna" (1949),
"Superstizione" (1949); "La Funicia dei Faloria" (1949);
"Sete Canne, Un Vestito" (1949); "La Villa dei Mostri"
(1950) e "Uomini ín Piu" (1955).
É em 1950 que dirige o seu
primeiro filme de fundo, "Escândalo de Amor" (Cronaca di un Amore), a
que se seguem, nesta fase inicial, dominada por um certo ambiente neo-realista,
"I Vinti" (1952), "A Dama sem Camélias" (La Signora senza
Camelie, 1953), "Tentado Suicídio", episódio do filme em
"sketches" "Retalhos da Vida" (L'Amore in Cittá, (1953),
"Le Amiche" (1955) e "O Grito" (II Grido) que culminará, de
forma brilhante, este período.
Primeira longa-metragem de
Michelangelo Antonioni, “Cronaca di Un Amore”, rodada na região de Milão,
inscreve-se no que se pode chamar “filme negro” americano, um pouco na linha de
certos títulos que fizeram escola nos anos 40. Muito influenciado pelo estilo e
pelo ambiente de James Cain, o autor de “O Carteiro Toca sempre Duas Vezes”
(que Visconti também adaptou ao cinema em “Ossessione”), “Escândalo de Um Amor”
fala-nos de um casal de amantes que trazem consigo o peso de um crime ou de um
acidente que poderiam ter evitado, e que por ele se sentem culpados, ainda que
a força do acaso lhes permita viver em liberdade. A morte da sua vítima em
lugar de os unir, desfaz o seu amor e separa-os definitivamente.
Os elementos típicos do “filme
negro”, adaptados à realidade italiana, aparecem nesta obra que chama desde
logo a atenção do público e da crítica para o cinema de Antonioni: personagens
ambíguas, passados misteriosos, mulheres com o seu quê de “fatais”, quartos de
hotéis de terceira categoria, palacetes de empreendedores suspeitos, detectives
particulares, carros e perseguições, a suspeita, o ciúme, o crime por amor. Um
bom princípio de carreira, auxiliado pela presença marcante de Lucia Bosé, aqui
num dos seus primeiros papéis significativos.
A história tem todos os
ingredientes: em Milão, uma agência de detectives é contratada por um
industrial poderoso, Enrico Fontana, para saber algo sobre o passado da sua
mulher, uma jovem de 27 anos, Paola. O anafado mas diligente Carloni vai
investigar em Ferrara a sua vida de adolescente e estudante, até embater num
acidente que mudou a vida de alguns: uma amiga de Paola morreu na queda no
vazio de um elevador. Guido, namorado da vítima, e Paola, presenciam o caso.
Acontece que Guido e Paola tinham igualmente uma relação amorosa. Assassinato
ou acidente, nunca se saberá, mas o reencontro de Paola e Guido recupera essa
atmosfera de crime e o presságio insinua-se. Agora será a morte de Enrico
Fontana que será equacionada, mas o destino põe e dispõe, e nem sempre o que se
imagina se concretiza pela forma concebida e muitas vezes o que se julga unir
acaba por separar.
O neo-realismo já não é aqui o
que era meia dúzia de anos atrás e Antonioni é um dos autores que impõe essa
renovação. Continuará a analisar-se o comportamento de certos extractos
sociais, aqui a burguesia bem instalada, e a pequena burguesia que não olha a
meios para subir na escala social, mas, muito embora o ambiente social continue
a pesar e definir climas e situações, a interiorização na análise das
personagens é agora muito mais profunda. Antonioni começa a esboçar o seu
cinema futuro e não deixa de ser curioso verificar como as estruturas
arquitectónicas e as paisagens exercem já um fascínio inequívoco no autor.
Interessante ainda olhar para o retrato feminino que não mais abandonará as
obras do cineasta. Aqui através do rosto de uma quase estreante Lucia Bosé, que
não muito antes tinha ganho o título de Miss Itália 1947 e iniciava então uma
muito interessante carreira, depois interrompida durante alguns anos, após o
seu casamento com o toureiro espanhol Luis Miguel Dominguín.
Mas não só Lucia Bosé merece
destaque. Muito seguros são ainda Massimo Girotti e Ferdinando Sarmi,
respectivamente Guido e Enrico Fontana, bem como Gino Rossi, na figura de
Carloni, o detective. Rodado entre Ferrara e Milão, e ainda em estúdios de
Turim, “Escândalo de um Amor” demonstra ainda a maleabilidade da câmara de
Antonioni, passeando pela paisagem em movimentos de uma delicada subtileza,
servidos por uma fotografia de óptimos efeitos plásticos, num dúctil preto e
branco com a assinatura de Enzo Serafin. Não será ainda uma obra-prima, mas
prenuncia já o futuro Antonioni.
ESCÂNDALO DE AMOR
Título original: Cronaca di Un Amore
Realização: Michelangelo Antonioni (Itália, 1950);
Argumento: Michelangelo Antonioni, Daniele d'Anza, Silvio Giovaninetti,
Francesco Maselli e Piero Tellini; Franco Villani e Stefane Caretta; Música:
Giovannl Fusco, com solo de saxe de Mareei Mule; Fotografia (p/b): Enzo
Serafin; Montagem: Eraldo Da Roma, Michelangelo Antonioni; Design de produção:
Piero Filippone; Decoração: Elio Guaglino; Guarda-roupa: Ferdinando Sarmi;
Maquilhagem: Libero Politi; Direcção de produção: Armando Franci, Paolo Leoni,
Gino Rossi; Assistente de realização. Francesco Maselli; Departamento de arte:
Ferdinando Sarmi; Efeitos visuais (restauro de cópia): Stefano Ballirano,
Stefano Camberini, Pablo Mariano Picabea; Companhia de produção: Villani Film; Intérpretes: Lucia Bosé (Paola Molon
Fontana), Massimo Girotti (Guido), Ferdinando Sarmi (Enrico Fontana), Gino
Rossi (Carloni, o detective), Marika Rowsky (Joy, a modelo); Rosi Mirafiore,
Rubi D'Alma, Anita Farra, Carlo Gazzabini, Nardo Rimediotti, Renato Burrini,
Vittorio Manfrino, Vittoria Mondello, Franco Fabrizi, Gino Cervi, etc.
Produção: Duração: 95 minutos; Data
de estreia em Portugal: 1 de Maio de 1952.
'Cronaca di un Amore' é um dos meus filmes preferidos. E gostei muito do seu texto.
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