quinta-feira, 10 de setembro de 2015

ESCÂNDALO DE AMOR


ESCÂNDALO DE AMOR (1950)

Nascido em Ferrara, em 1912, depois de vários estudos e profissões, entre as quais o jornalismo, Michelangelo Antonioni inscreve-se no Centro Experimental de Cinema, em Roma, colaborando, simultaneamente, em diversas publicações, nomeadamente na revista “Cinema”. Foi em 1942 que iniciou o seu trabalho no cinema, como assistente de Enrico Fulchignoni ("I Due Foscari") e também de Marcel Carné, em "Os Trovadores Malditos" ("Les Visiteurs du Soir"). A partir dessa altura, dedica-se totalmente ao cinema, escrevendo diversos argumentos para películas dirigidas por outros, ao mesmo tempo que começa a realizar as suas primeiras obras, ainda no domínio da curta-metragem. Como argumentista colaborou em "Il Due Foscari", de Enrico Fuichignoni (1942); "Um Pilota Ritorna", de Roberto Rossellini; "Caccia Trágica", de Guiseppe de Santis (1947) e "O Sheik Branco" (Lo Sceicco Bianco), de Frederico Fellini (1952). Como realizador de curtas-metragens, assinou alguns títulos relevantes que se inscrevem directamente no que poderemos classificar como a génese do neo-realismo, como "Gente del Po" (1943-1947); "Netteza Urbana" (1948); "L'Amorosa Menzogna" (1949), "Superstizione" (1949); "La Funicia dei Faloria" (1949); "Sete Canne, Un Vestito" (1949); "La Villa dei Mostri" (1950) e "Uomini ín Piu" (1955).
É em 1950 que dirige o seu primeiro filme de fundo, "Escândalo de Amor" (Cronaca di un Amore), a que se seguem, nesta fase inicial, dominada por um certo ambiente neo-realista, "I Vinti" (1952), "A Dama sem Camélias" (La Signora senza Camelie, 1953), "Tentado Suicídio", episódio do filme em "sketches" "Retalhos da Vida" (L'Amore in Cittá, (1953), "Le Amiche" (1955) e "O Grito" (II Grido) que culminará, de forma brilhante, este período.


Primeira longa-metragem de Michelangelo Antonioni, “Cronaca di Un Amore”, rodada na região de Milão, inscreve-se no que se pode chamar “filme negro” americano, um pouco na linha de certos títulos que fizeram escola nos anos 40. Muito influenciado pelo estilo e pelo ambiente de James Cain, o autor de “O Carteiro Toca sempre Duas Vezes” (que Visconti também adaptou ao cinema em “Ossessione”), “Escândalo de Um Amor” fala-nos de um casal de amantes que trazem consigo o peso de um crime ou de um acidente que poderiam ter evitado, e que por ele se sentem culpados, ainda que a força do acaso lhes permita viver em liberdade. A morte da sua vítima em lugar de os unir, desfaz o seu amor e separa-os definitivamente.
Os elementos típicos do “filme negro”, adaptados à realidade italiana, aparecem nesta obra que chama desde logo a atenção do público e da crítica para o cinema de Antonioni: personagens ambíguas, passados misteriosos, mulheres com o seu quê de “fatais”, quartos de hotéis de terceira categoria, palacetes de empreendedores suspeitos, detectives particulares, carros e perseguições, a suspeita, o ciúme, o crime por amor. Um bom princípio de carreira, auxiliado pela presença marcante de Lucia Bosé, aqui num dos seus primeiros papéis significativos.
A história tem todos os ingredientes: em Milão, uma agência de detectives é contratada por um industrial poderoso, Enrico Fontana, para saber algo sobre o passado da sua mulher, uma jovem de 27 anos, Paola. O anafado mas diligente Carloni vai investigar em Ferrara a sua vida de adolescente e estudante, até embater num acidente que mudou a vida de alguns: uma amiga de Paola morreu na queda no vazio de um elevador. Guido, namorado da vítima, e Paola, presenciam o caso. Acontece que Guido e Paola tinham igualmente uma relação amorosa. Assassinato ou acidente, nunca se saberá, mas o reencontro de Paola e Guido recupera essa atmosfera de crime e o presságio insinua-se. Agora será a morte de Enrico Fontana que será equacionada, mas o destino põe e dispõe, e nem sempre o que se imagina se concretiza pela forma concebida e muitas vezes o que se julga unir acaba por separar.


O neo-realismo já não é aqui o que era meia dúzia de anos atrás e Antonioni é um dos autores que impõe essa renovação. Continuará a analisar-se o comportamento de certos extractos sociais, aqui a burguesia bem instalada, e a pequena burguesia que não olha a meios para subir na escala social, mas, muito embora o ambiente social continue a pesar e definir climas e situações, a interiorização na análise das personagens é agora muito mais profunda. Antonioni começa a esboçar o seu cinema futuro e não deixa de ser curioso verificar como as estruturas arquitectónicas e as paisagens exercem já um fascínio inequívoco no autor. Interessante ainda olhar para o retrato feminino que não mais abandonará as obras do cineasta. Aqui através do rosto de uma quase estreante Lucia Bosé, que não muito antes tinha ganho o título de Miss Itália 1947 e iniciava então uma muito interessante carreira, depois interrompida durante alguns anos, após o seu casamento com o toureiro espanhol Luis Miguel Dominguín.
Mas não só Lucia Bosé merece destaque. Muito seguros são ainda Massimo Girotti e Ferdinando Sarmi, respectivamente Guido e Enrico Fontana, bem como Gino Rossi, na figura de Carloni, o detective. Rodado entre Ferrara e Milão, e ainda em estúdios de Turim, “Escândalo de um Amor” demonstra ainda a maleabilidade da câmara de Antonioni, passeando pela paisagem em movimentos de uma delicada subtileza, servidos por uma fotografia de óptimos efeitos plásticos, num dúctil preto e branco com a assinatura de Enzo Serafin. Não será ainda uma obra-prima, mas prenuncia já o futuro Antonioni.

ESCÂNDALO DE AMOR
Título original: Cronaca di Un Amore

Realização: Michelangelo Antonioni (Itália, 1950); Argumento: Michelangelo Antonioni, Daniele d'Anza, Silvio Giovaninetti, Francesco Maselli e Piero Tellini; Franco Villani e Stefane Caretta; Música: Giovannl Fusco, com solo de saxe de Mareei Mule; Fotografia (p/b): Enzo Serafin; Montagem: Eraldo Da Roma, Michelangelo Antonioni; Design de produção: Piero Filippone; Decoração: Elio Guaglino; Guarda-roupa: Ferdinando Sarmi; Maquilhagem: Libero Politi; Direcção de produção: Armando Franci, Paolo Leoni, Gino Rossi; Assistente de realização. Francesco Maselli; Departamento de arte: Ferdinando Sarmi; Efeitos visuais (restauro de cópia): Stefano Ballirano, Stefano Camberini, Pablo Mariano Picabea; Companhia de produção: Villani Film; Intérpretes: Lucia Bosé (Paola Molon Fontana), Massimo Girotti (Guido), Ferdinando Sarmi (Enrico Fontana), Gino Rossi (Carloni, o detective), Marika Rowsky (Joy, a modelo); Rosi Mirafiore, Rubi D'Alma, Anita Farra, Carlo Gazzabini, Nardo Rimediotti, Renato Burrini, Vittorio Manfrino, Vittoria Mondello, Franco Fabrizi, Gino Cervi, etc. Produção: Duração: 95 minutos; Data de estreia em Portugal: 1 de Maio de 1952.

1 comentário:

  1. 'Cronaca di un Amore' é um dos meus filmes preferidos. E gostei muito do seu texto.

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