sexta-feira, 11 de setembro de 2015

DESERTO VERMELHO


O DESERTO VERMELHO (1964)

Falar do Antonioni de “O Deserto Vermelho” é, de certa forma, repisar ou repetir algumas das mesmas considerações já aplicadas a títulos como “A Aventura”, “A Noite” ou “O Eclipse”. O realizador, obcecado por uma temática que o dominava há muito (e que nunca o abandonará, apesar da renovação operada por vezes), aprofunda e aperfeiçoa a abordagem, de obra em obra.
Incomunicação, isolamento, solidão, inadaptação ao mundo moderno, alienação, frustração feminina, impossibilidade do amor numa sociedade egoísta e fechada sobre si própria, são ideias que invariavelmente surgem nas películas de Michelangelo Antonioni. Repetindo-se, porém, tematicamente, Antonioni evolui, depura-se estilisticamente. “Deserto Rosso”, formalmente, é uma obra acabada, completa e perfeita.

Giuliana, figura central (de novo Monica Vitti) é mais um caso de desadaptação ao mundo moderno, industrial, de que participa o seu marido. Alienada nesse universo de autómatos, robots, paredes nuas, despojadas, radares e ruídos metálicos, Giuliana procura refúgio. O marido não lhe dá a atenção necessária e surge então Conrado. Este procura “um mundo onde possa viver de consciência tranquila. Ser justo, consigo e com os outros”. “Socialismo?” Esboça-se um idílio. Giuliana tenta romper as paredes e inserir-se no mundo. Não o consegue, porém. Surge o fracasso, o isolamento e a impossibilidade do amor. O marido, por um lado, Conrado, por outro, tornam-se-lhe estranhos. Os sintomas de uma discreta esquizofrenia avolumam-se. A “doença” parece tê-la ganho num acidente que a colocou durante um mês numa clínica. Inscrevendo o caso pessoal de Giuliana num ambiente industrial, Antonioni decide caracterizar este meio. Serve-se para isso, de início, das imagens de uma greve, de uma ou outra frase e, decisivamente, de toda uma sequência na cabana de Max, na qual esboça o clima de uma modernidade sofisticada e amoral. Uma das personagens caracteriza uma outra como alguém que está “sempre pronto a comprar uma fábrica ou a tomar para si uma mulher”.


Não é de estranhar a chegada de um barco que põe de sobreaviso todos na cabana. Hasteada a bandeira amarela que coloca o barco de quarentena, surgem médico e ambulância, e paira o temor da epidemia, da peste, que leva todos a fugir. Mas a doença é algo que perpassa por todo o filme: o filho de Giuliana resolve inventar uma paralisia de pernas, depois de folhear uma revista onde se aborda o tema da poliomielite. Enquanto este se encontra de cama, Guiliana conta-lhe uma história sobre uma ilha encantada, uma jovem que nada nas águas translúcidas, e sonha com uma lugar que há-de haver no mundo, onde se possa sentir melhor. Ela própria se sabe “doente”, ao que Conrado explica que nesta sociedade todos estamos de alguma forma “doentes”, e explica que os médicos a tentam “reintegrar na realidade”. Mas “há algo de terrível na realidade”. Este é o “mal de vivre” constante em Antonioni, quando retrata a sociedade actual.


Plasticamente, este filme de Antonioni (cineasta que atinge nesta obra o domínio absoluto de um estilo próprio e uma narrativa muito pessoal, para lá das obsessões próprias de um “autor”), parece impossível de ultrapassar. Tudo está certo nesta película brumosa, cujo colorido funciona como elemento actuante, num determinado ambiente, condicionando-o e fazendo dele comparticipar, psicologicamente, as personagens. Experiência a todos os títulos notável, neste caso particular, “O Deserto Vermelho” é um filme que restitui a imagem mais dolorosa e pungente do deserto. Meditação sobre o vazio de uma existência, “Il Deserto Rosso” é, simultaneamente, a concretização, em imagens, desse vazio. Mundo desabitado este e, paradoxalmente, mundo atraente e fascinante. Antonioni parece querer dizer-nos que é necessário saber alcançá-lo e humanamente habitá-lo. Depois de “O Deserto Vermelho”, Antonioni teria de renovar o seu caminho, pois tinha atingido a perfeição e o ao mesmo tempo, o esgotamento de um trajecto. E de um projecto.

O DESERTO VERMELHO
Título original: Il Deserto Rosso
Realização: Michelangelo Antonioni (Itália, França, 1964); Argumento: Michelangelo Antonioni,Tonino Guerra; Produção: Tonino Cervi, Angelo Rizzoli; Música: Giovanni Fusco, Vittorio Gelmetti (música electónica); Fotografia (cor): Carlo Di Palma; Montagem: Eraldo Da Roma; Direcção artística: Piero Poletto; Guarda-roupa: Gitt Magrini; Maquilhagem: Giancarlo De Leonardis; Direcção de produção: Ugo Tucci; Assistentes de realização: Gianni Arduini, Flavio Niccolini; Departamento de arte: Sergio Donà; Som: Mario Bramonti, Claudio Maielli; Efeitos especiais: Franco Freda; Companhias de produção: Film Duemila, Federiz, Francoriz Production; Intérpretes: Monica Vitti (Giuliana), Richard Harris (Corrado Zeller), Carlo Chionetti (Ugo), Xenia Valderi (Linda), Rita Renoir (Emilia), Lili Rheims, Aldo Grotti, Valerio Bartoleschi, Emanuela Paola Carboni, Bruno Borghi, Beppe Conti, Julio Cotignoli, Giovanni Lolli, Hiram Mino Madonia, Giuliano Missirini, Arturo Parmiani, Carla Ravasi, Ivo Scherpiani, Bruno Scipioni, etc. Duração: 117 minutos; Classificação etária (na estreia em cinema): M/ 16 anos; Distribuição (DVD): Panorama Cinéma Italien (legendas em francês); Data de estreia em Portugal: 8 de Fevereiro de 1965.


Sem comentários:

Enviar um comentário