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O GENERAL DELLA ROVERE (1959)
“Il Generale della Rovere” data de 1959 e apresenta-se como um regresso de Roberto
Rossellini ao seu período mais profundamente neo-realista. De certa forma é um
retorno à época em que realizou “Roma, Cidade Aberta”, “Libertação” ou
“Alemanha, Ano Zero”, voltando aos tempos da ocupação alemã de Itália, à
resistência e ao heróico movimento popular de oposição larvar ao nazismo e ao
fascismo. Depois de “O Medo”, o cineasta tinha viajado pela Índia, onde
realizou uma série documental para televisão, que foi muito mal recebida pela
crítica e o público, bem assim como uma longa-metragem para cinema sobre o
mesmo tema, “India, Matri Bhumi”. As reacções não foram brilhantes e desde há
muito que Rossellini era olhado por alguma crítica como um cineasta “arrumado” a
quem os produtores já não confiavam uma lira, porque a perderiam de certeza.
Mas
Moris Ergas e a Zebra Film resolvem apostar neste projecto, com argumento do
habitual Sergio Amidei, aqui com a colaboração de Diego Fabbri, retirado de um
romance de Indro Montanelli, que por sua vez se inspira numa história real.
Conta Renzo Rossellini, filho do cineasta, que “o produtor tinha colocado uma
condição: o filme teria de estar pronto para ser apresentado no Festival de
Veneza, em fins de Agosto, e estávamos em Maio. Organizámo-nos por forma a
filmarmos de dia, montarmos e dobrarmos à noite, algo completamente louco. Era
um desafio. E conseguimos”. O filme passou em Veneza e arrebatou o Leão de
Ouro, juntamente como “A Grande Guerra”, de Mario Monicelli. Depois disso, foi
premiado em São Francisco, para melhor realização e melhores actores, Vittorio
De Sica e Hannes Messemer, ganhou o Nastro d´Argento para melhor realização de
1959 em Itália, e alcançaria ainda o prémio do Office Catholique International
(OCIC), além de diversas outras recompensas. A carreira do cineasta estava
relançada, afinal não estava completamente “arrumado” como muitos pretendiam,
e, anos depois, faria parte da lista dos 1000 melhores filmes de todos os
tempos, elegidos pelo “The New York Times”.
Estamos
em Génova, 1943, e acompanhamos a actividade nada escrupulosa de
Emanuele
Bardone, um vigarista bem-falante, que gasta em jogo tudo o que arranja, e
arranja o que pode da forma mais humilhante: faz-se passar por um coronel do
exército italiano e, de conluio com um oficial alemão colocado num lugar
estratégico, vai extorquindo dinheiro a famílias de presos políticos, com
promessas de conseguir a libertação para os encarcerados. Até ao dia em que vai
ter com a mulher de um prisioneiro, afirmando que tem grandes notícias e esta
lhe diz que o marido acaba de ser executado e o denuncia às autoridades. Preso,
Bardone aceita colaborar com os nazis. O coronel Mueller, das SS, está
interessado em ter um denunciante atrás das grades da prisão de San Vittore que lhe vá
indicando quem é quem entre os presos, em particular que identifique um, Fabrizio, que se sabe ser o
chefe da resistência local, que os alemães têm a certeza de se encontrar entre
os presos, mas que ignoram quem é. O filme irá depois acompanhar a
consciencialização de Bardone
no seu convívio diário com os presos, com a coragem que eles demonstram, com a
dignidade que ele surpreende, com o fervor patriótico que o redime.
Todo o
filme é admiravelmente conduzido por Rossellini que, apesar de partir de um
romance com uma estrutura dramática muito definida, apesar de jogar com um
elenco de grandes vedetas (sobretudo Vittorio De Sica e Hannes Messemer, ambos
notáveis, mas também Vittorio Caprioli, Sandra Milo, Giovanna Ralli, Anne
Vernon, para só citar algumas), apesar de jogar com cenas de um pendor trágico
assinalável, que facilmente poderiam cair num melodramatismo pungente, apesar
de tudo isso consegue uma unidade de tom assinalável, uma quase neutralidade
narrativa que funciona muito bem, uma invulgar isenção de efeitos emocionais
fáceis. Veja-se a sequência final, que tentaremos não revelar, mas onde o olhar
distante de Rossellini se exime a qualquer efeito, qualquer aproximação do
rosto de De Sica, integrando-o num plano de conjunto que assume todo o
significado pessoal e colectivo.
Mas a
qualidade do trabalho de Rossellini é, nesta obra, admirável. Atente-se em
todas as sequências passadas no interior da cadeia, onde, sem qualquer recurso
especial, com uma certa frieza de olhar, nos transporta ao clima claustrofóbico
da instituição, ao horror do isolamento, ao terror que as situações insuflam
naqueles homens que, todavia, os não fazem perder a dignidade, mas que muito
pelo contrário os elevam a um plano mais nobre. Todas as cenas de exterior, com
as famílias padecendo um outro tipo de dor e de horror são igualmente
brilhantemente conduzidas.
Entre
muitos outros que poderiam justificar atenção especial, há ainda um aspecto a
merecer referência: a forma como Rossellini nos apresenta as suas personagens.
Emanuele Bardone é um vigarista sem escrúpulos que negoceia com os nazis e
aldraba vítimas indefesas em situações traumáticas, é um jogador compulsivo,
mas simultaneamente é um sedutor nato, que consegue inclusive transmitir alguma
simpatia (essa, aliás, uma das razões do sucesso das suas trapaças). O coronel
Mueller é igualmente um homem de contrastes, que tão depressa pode enviar para
a tortura ou a morte um prisioneiro incómodo, como manifestar a simpatia por
Bardone ou a “compreensão” por uma situação mais delicada. São personagens
“humanas”, não estereotipadas, e, neste particular, mais inquietantes do que
monstros de uma só perversidade que o espectador relega logo para o estatuto de
“anormais”. Não, são tão normais como eu ou você, que, todavia, se comportam de
forma brutal, o que torna muito mais resvaladiços os terrenos que todos nós
pisamos.
Depois
deste triunfo, Rossellini voltaria ao tema em “Era notte a Roma”, antes de se
interessar por filmar no Brasil uma obra sobre “A Geografia da Fome”, do
etnólogo brasileiro Josué de Castro (que nunca concretizará). Prosseguiria a
carreira com dois filmes históricos, “Viva l’Ìtalia” (1960) e “Vanina Vanini”
(1961), voltando-se depois para a televisão educativa, com obras de um estilo
quase docudocumental, sobre grandes figuras e grandes temas da História, sendo
de destacar, por exemplo, o belíssimo “La Prise du Pouvoir par Louis XIV” ou
“Atti degli Apostoli”.
O GENERAL DELLA ROVERE
Título original: Il Generale
della Rovere
Realização: Roberto Rossellini (Itália,
França, 1959); Argumento: Sergio Amidei, Diego Fabbri, Indro Montanelli,
Roberto Rossellini, segundo romance de Indro Montanelli; Produção: Moris Ergas;
Música: Renzo Rossellini; Fotografia (p/b): Carlo Carlini; Montagem: Cesare
Cavagna, Anna Maria Montanari; Design de produção: Piero Zuffi; Direcção
artística: Piero Zuffi; Guarda-roupa: Piero Zuffi; Assistentes de realização:
Tinto Brass, Ruggero Deodato, Renzo Rossellini; Companhias de produção: Zebra
Film, Société Nouvelle des Établissements Gaumont (SNEG); Intérpretes: Vittorio De Sica (Victorio Emanuele Bardone /
Grimaldi), Hannes Messemer (S.S. Colonel Mueller), Vittorio Caprioli (Aristide
Bianchelli), Nando Angelini, Herbert Fischer (sargento), Mary Greco (Vera),
Bernardo Menicacci, Lucia Modugno (a resiatente), Luciano Pigozzi, Kurt Polter
(oficial alemão), Giuseppe Rosetti (Pietro Valeri), Kurt Selge (Schrantz),
Linda Veras, Sandra Milo (Valeria), Giovanna Ralli (Olga), Anne Vernon (Clara
Fassio), Ester Carloni, Armando Annuale, Gianni Baghino, Baronessa Bazzani,
Clarissa Corner, Lina De Rossi, Ivo Garrani, Franco Interlenghi, Piero Pastore,
Roberto Rossellini (homem no gabinete da Gestapo), etc. Duração: 132 minutos; Classificação etária: M/ 12 anos;
Distribuição em Portugal: Costa do Castelo Filmes; Data de estreia em Portugal:
31 de Janeiro de 1972 (Estúdio Apolo 70).