quarta-feira, 8 de abril de 2015

O MEDO

O MEDO (1954)

“Non Credo Più all'Amore”, também chamado “La Paura”, adaptando um romance de Stefan Zweig, "Angst", foi o quarto filme da tetralogia Ingrid Bergman, depois de “Stromboli”, “Europa 51” e “Viagem em Itália”, sendo igualmente o último filme rodado pela actriz sob a direcção de Rossellini, antes do seu divórcio, em 1957. Deve dizer-se que, para lá destas longas-metragens de cinema, Ingrid Bergman ainda apareceu em duas outras obras do marido, um episódio do colectivo “Siamo Donne”, precisamente chamado “Ingrid Bergman” (1952), e o teledramático “Giovanna d’Arco Al Rogo” (1954).
“O Medo” inspira-se evidentemente no género de “filme negro” norte-americano, criando um clima e impondo personagens e situações nitidamente suscitadas por este tipo de películas que teve em França e nos EUA os principais cultores. Até alguns aspectos técnico-artísticos, como a fotografia a preto e branco, da responsabilidade de Carlo Carlini e Heinz Schnackertz, ou a partitura musical, assinada por Renzo Rossellini, se mostram devedores do “film noire”. Neste caso, não se pode dizer que o cineasta se tenha mantido muito fiel ao seu princípio de recusar todo o tipo de efeitos e de dramatização. A música sublinha dramaticamente muitas sequências, e a própria ambiência fotográfica contribui para um clima de inquietação e suspense, aliás numa tradição igualmente muito hitchcoqueana.


Irene Wagner (Ingrid Bergman) é mulher de um cientista, Albert Wagner (Mathias Wieman), que esteve doente durante algum tempo, e depois enclausurado num campo de concentração (durante o III Reich, por ser judeu?; depois do fim da guerra, numa acção de desnazização?). Durante este tempo de ausência do marido, Irene tomou conta dos negócios do casal e orientou sabiamente a sua fábrica de produtos farmacêuticos, mas deixa-se igualmente levar para uma situação de adultério, mantendo um caso com Erich Baumann (Kurt Kreuger). Quando o marido regressa, Irene procura terminar a relação, mas por essa altura surge Johann Schultze (Renate Mannhardt), uma ex-amante de Erich, que inicia uma acção de chantagem, pedindo dinheiro para calar o caso e não o denunciar ao marido. Irene vai cedendo, até que as economias começam a rarear, mas angustia-se particularmente, sobretudo, a partir da altura em que Johann lhe rouba um anel de grande significado. O medo vai-se intensificando, Irene parece descontrolada, mas as revelações estão para vir e o volte-face final obedece a todos os requisitos deste tipo de obras.
No romance de Stefan Zweig (publicado em 1910), a acção passa-se em Viena de Áustria, o adultério de Irene surge mais por divertimento e jogo do que por falta de amor ao seu marido. Aparece então uma mulher a exercer chantagem, quando Irene sai de casa do amante, um jovem músico de certo sucesso. Percebe-se finalmente que a chantagista não é mais do que uma actriz, contratada pelo marido de Irene, para levar esta a confessar a culpa e poder depois perdoar-lhe. 
A contextualização do filme na Alemanha do pós-guerra tem o seu intuito óbvio. De resto, o clima em que todo o drama se desenrola é tenso e violento, de um ponto de vista psicológico. Rossellini consegue criar uma ambiência de medo larvar, sempre na iminência de que algo aconteça de irremediável. Mais uma vez, derradeiras cenas apontam para uma tragédia, a que a mão do destino (ou do milagre, sempre tão presente em Rossellini) obsta. A realização é brilhante, na sua eficácia narrativa, na sua simplicidade. O filme foi rodado muito rapidamente, em cerca de 30 dias, e marca uma preocupação invulgar no cinema deste autor, uma incursão pelos terrenos da interioridade, explorando sentimentos e emoções. Toda a interpretação é excelente, com particular destaque para Ingrid Bergman, num papel que parece ter sido pensado para si. O que, dadas as circunstâncias, terá mesmo sido.
Curiosidade suplementar: o romance de Stefan Zweig teve outras adaptações cinematográficas, para lá desta de Rossellini, em 1954. Um filme mudo de Hans Steinhoff, “Angst” (1928), com Elga Brink, Henry Edwards e Gustav Fröhlich, a que se seguiu “La Peur” (1936), de Victor Tourjansky, com Gaby Morlay, Charles Vanel, Suzy Prim e George Rigaud, e, de novo em França, “La Peur” (1992), de Daniel Vigne, com Nicola Farron, Maurice Baquet, Cinzia de Ponti e Hanns Zischler.


O MEDO
Título original: Non Credo Più all'Amore (La Paura)
Realização: Roberto Rossellini (Itália, RFA, 1954); Argumento: Sergio Amidei, Roberto Rossellini, Franz von Treuberg, segundo romance de Stefan Zweig ("Angst"); Produção: Herman Millakowsky; Música: Renzo Rossellini; Fotografia (p/b): Carlo Carlini, Heinz Schnackertz; Montagem: Jolanda Benvenuti, Walter Boos; Direcção de produção: Mario Del Papa, Jochen Genzow; Assistentes de realização: Pietro Servedio, Franz von Treuberg; Som: Carl Becker; Companhias de produção: Aniene Film, Ariston Film GmbH; Intérpretes: Ingrid Bergman (Irene Wagner), Mathias Wieman (Professor Albert Wagner), Renate Mannhardt (Luisa Vidor / Johann Schultze), Kurt Kreuger (Erich Baumann), Elise Aulinger (Haushaelterin), Edith Schultze-Westrum, Steffi Stroux, Annelore Wied, Rolf Deininger, Albert Herz, Klaus Kinski (actor de cabaret), Klara Kraft, Jürgen Micksch, Gabriele Seitz, Elisabeth Wischert, etc

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