O MEDO (1954)
“Non
Credo Più all'Amore”, também chamado “La Paura”, adaptando um romance de Stefan
Zweig, "Angst", foi o quarto filme da tetralogia Ingrid Bergman,
depois de “Stromboli”, “Europa 51” e “Viagem em Itália”, sendo igualmente o
último filme rodado pela actriz sob a direcção de Rossellini, antes do seu
divórcio, em 1957. Deve dizer-se que, para lá destas longas-metragens de
cinema, Ingrid Bergman ainda apareceu em duas outras obras do marido, um
episódio do colectivo “Siamo Donne”, precisamente chamado “Ingrid Bergman”
(1952), e o teledramático “Giovanna d’Arco Al Rogo” (1954).
“O
Medo” inspira-se evidentemente no género de “filme negro” norte-americano,
criando um clima e impondo personagens e situações nitidamente suscitadas por
este tipo de películas que teve em França e nos EUA os principais cultores. Até
alguns aspectos técnico-artísticos, como a fotografia a preto e branco, da
responsabilidade de Carlo Carlini e Heinz Schnackertz, ou a partitura musical,
assinada por Renzo Rossellini, se mostram devedores do “film noire”. Neste
caso, não se pode dizer que o cineasta se tenha mantido muito fiel ao seu
princípio de recusar todo o tipo de efeitos e de dramatização. A música sublinha
dramaticamente muitas sequências, e a própria ambiência fotográfica contribui
para um clima de inquietação e suspense, aliás numa tradição igualmente muito
hitchcoqueana.
Irene
Wagner (Ingrid Bergman) é mulher de um cientista, Albert Wagner (Mathias
Wieman), que esteve doente durante algum tempo, e depois enclausurado num campo
de concentração (durante o III Reich, por ser judeu?; depois do fim da guerra,
numa acção de desnazização?). Durante este tempo de ausência do marido, Irene
tomou conta dos negócios do casal e orientou sabiamente a sua fábrica de
produtos farmacêuticos, mas deixa-se igualmente levar para uma situação de
adultério, mantendo um caso com Erich Baumann (Kurt Kreuger). Quando o marido
regressa, Irene procura terminar a relação, mas por essa altura surge Johann
Schultze (Renate Mannhardt), uma ex-amante de Erich, que inicia uma acção de
chantagem, pedindo dinheiro para calar o caso e não o denunciar ao marido.
Irene vai cedendo, até que as economias começam a rarear, mas angustia-se particularmente,
sobretudo, a partir da altura em que Johann lhe rouba um anel de grande
significado. O medo vai-se intensificando, Irene parece descontrolada, mas as
revelações estão para vir e o volte-face final obedece a todos os requisitos
deste tipo de obras.
No
romance de Stefan Zweig (publicado em 1910), a acção passa-se em Viena de
Áustria, o adultério de Irene surge mais por divertimento e jogo do que por
falta de amor ao seu marido. Aparece então uma mulher a exercer chantagem,
quando Irene sai de casa do amante, um jovem músico de certo sucesso.
Percebe-se finalmente que a chantagista não é mais do que uma actriz,
contratada pelo marido de Irene, para levar esta a confessar a culpa e poder
depois perdoar-lhe.
A
contextualização do filme na Alemanha do pós-guerra tem o seu intuito óbvio. De
resto, o clima em que todo o drama se desenrola é tenso e violento, de um ponto
de vista psicológico. Rossellini consegue criar uma ambiência de medo larvar,
sempre na iminência de que algo aconteça de irremediável. Mais uma vez,
derradeiras cenas apontam para uma tragédia, a que a mão do destino (ou do
milagre, sempre tão presente em Rossellini) obsta. A realização é brilhante, na
sua eficácia narrativa, na sua simplicidade. O filme foi rodado muito rapidamente,
em cerca de 30 dias, e marca uma preocupação invulgar no cinema deste autor,
uma incursão pelos terrenos da interioridade, explorando sentimentos e emoções.
Toda a interpretação é excelente, com particular destaque para Ingrid Bergman,
num papel que parece ter sido pensado para si. O que, dadas as circunstâncias,
terá mesmo sido.
Curiosidade
suplementar: o romance de Stefan Zweig teve outras adaptações cinematográficas,
para lá desta de Rossellini, em 1954. Um filme mudo de Hans Steinhoff, “Angst”
(1928), com Elga Brink, Henry Edwards e Gustav Fröhlich, a que se seguiu “La
Peur” (1936), de Victor Tourjansky, com Gaby Morlay, Charles Vanel, Suzy Prim e
George Rigaud, e, de novo em França, “La Peur” (1992), de Daniel Vigne, com
Nicola Farron, Maurice Baquet, Cinzia de Ponti e Hanns Zischler.
O MEDO
Título original: Non Credo Più
all'Amore (La Paura)
Realização: Roberto Rossellini (Itália, RFA, 1954);
Argumento: Sergio Amidei, Roberto Rossellini, Franz von Treuberg, segundo
romance de Stefan Zweig ("Angst"); Produção: Herman Millakowsky;
Música: Renzo Rossellini; Fotografia (p/b): Carlo Carlini, Heinz Schnackertz;
Montagem: Jolanda Benvenuti, Walter Boos; Direcção de produção: Mario Del Papa,
Jochen Genzow; Assistentes de realização: Pietro Servedio, Franz von Treuberg;
Som: Carl Becker; Companhias de produção: Aniene Film, Ariston Film GmbH; Intérpretes: Ingrid Bergman (Irene
Wagner), Mathias Wieman (Professor Albert Wagner), Renate Mannhardt (Luisa
Vidor / Johann Schultze), Kurt Kreuger (Erich Baumann), Elise Aulinger
(Haushaelterin), Edith Schultze-Westrum, Steffi Stroux, Annelore Wied, Rolf
Deininger, Albert Herz, Klaus Kinski (actor de cabaret), Klara Kraft, Jürgen
Micksch, Gabriele Seitz, Elisabeth Wischert, etc
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