quarta-feira, 8 de abril de 2015

LUÍS DA BAVIERA



LUÍS DA BAVIERA (1972)


Luís II da Baviera, o mecenas de Richard Wagner, "o último rei romântico", o "rei louco", admirado por Verlaine, respeitado por Bismark, é pouco conhecido. Numa carta a um amigo, Luís da Baviera escrevia: “quero ser um enigma para mim próprio e para os outros”.
Nasceu a 25 de Agosto de 1845, em Munique, capital do jovem reino da Baviera. O ducado tornou-se reino graças à estadia de Napoleão. Os Wittelsbagh foram, por vezes (pelo lado materno), considerados estranhos, mas a hereditariedade do ramo dos Hohenzollern esteve, sem dúvida, na origem dos distúrbios psíquicos de Luís II e do irmão mais novo, o príncipe Otto.
O rei Maximilien, morto em 1864, educou o filho à moda prussiana: muitas privações, severidade e pouca instrução. Quando, com 18 anos apenas, Luís subiu ao trono, sem qualquer formação política, mas mostrando-se, no entanto, lúcido, dá provas de bom senso e de prudência nas relações difíceis do seu país com a Prússia, a Áustria e a França. Colocou-se, contrariado, ao lado de Bismark em 1870, declarando que seria preciso conceder aos Hohenzollern a hegemonia em título e de facto. Foi Luís II quem pediu ao rei da Prússia para receber a coroa imperial depois da derrota francesa, mas não assistiu, no entanto, ao triunfo alemão em Versailles.
Em 1859, Luís assiste a uma representação de “Lohengrin" e fica fortemente impressionado por esta ópera de Wagner. Após a sua coroação, envia um convite caloroso ao compositor. Para Wagner, que se encontrava cheio de dívidas e de problemas de toda a ordem, este "coup de foudre" do rei era um milagre. Luís II manda construir a ópera de Beyreuth dedicada a Wagner; o ouro e a admiração de Luís II encorajam Wagner a prosseguir a sua obra e a representá-la. Durante anos, Wagner é, no sentido literal, o deus do rei.


O jogo de Cosima von Bulov, inteligente, ambiciosa, interesseira, mudando de marido ou de amante com o fogo da glória ("casa com Brahms", sugere-lhe o ex-marido após a morte de Wagner, “é o compositor mais celebre"), baralhou um pouco as coisas. Durante muito tempo o rei recusou-se a acreditar nos murmúrios da polícia, e ele próprio confessou um dia que não acreditava que Wagner e Cosima pudessem “fazer algo de vergonhoso, mesmo estando sós”.
Ingenuidade? Luís II nunca se teria aproximado fisicamente duma mulher; a sua prima Elisabeth da Austria, que se parecia tanto com ele, incompreendida, solitária, assassinada em Montreux, foi para ele uma amiga cúmplice, uma espécie de duplo.
Muito novo ainda, Luís da Baviera (há todas as razões para o supor), estabeleceu intimidades e (pouco ortodoxas) relações com um primo, Paul de Tour et Taxis. Depois, o "Diário Íntimo" do monarca vai revelando outras paixões, mas Hornig parece ter permanecido como "a maior". Deixando-se resvalar lentamente para a loucura, Ludwig acabará por ser preso, destituído do seu mandato, após ter sido declarado louco por uma junta de médicos que quase não o havia visto. A 13 de Junho de 1886, aparece afogado no lago de Starnberg. Aquele que de si próprio dizia que queria permanecer um enigma acabava de entrar na lenda: suicídio, acidente ou crime? Que pensar do desaparecimento de Luís da Baviera?
Que seduziria Visconti na personalidade de Ludwig para a ele dedicar uma obra de tão grande fôlego? Pois talvez a hipótese provável de através dele estabelecer como que o seu próprio testamento estético e político.


Projecto ambicioso. O seu filme acaba por ser uma compilação de grande parte das obsessões do cineasta e de muitas das suas preocupações. Acaba por ser ainda, nem sempre com grande felicidade, uma colagem de diversas situações vistas em anteriores obras suas. De um ponto de vista histórico, porém, a exemplaridade de "Ludwig" não suporta qualquer tipo de comparação com "Sentimento” ou "O Leopardo", por exemplo. Enquanto que, tanto num como noutro, quer a condessa Serpieri como o Príncipe de Salina definiam personagens típicas de um dado momento histórico que era através delas analisado, em "Luís da Baviera" a intenção parece ter sido outra: acompanhar com Luís da Baviera a decadência da aristocracia, o seu irremediável naufrágio histórico e social.
Neste aspecto, todavia, a personalidade do rei bávaro fornecia a Visconti elementos que lhe permitiriam levar mais longe as suas considerações. Na verdade, mercê de condicionalismos diversos, Luís da Baviera, a quem chamaram "o último rei romântico", viu-se progressivamente isolado, marginalizado da sociedade.
Por deficiências próprias (que o levaram a procurar a solidão, a fugir ao contacto com o mundo), mas também por preconceitos da sociedade (que o olhava como “anormal”, pertencente a uma minoria moral que somente a sua condição de monarca não permitia uma mais viva perseguição).

De "Morte em Veneza”, "Luís da Baviera" recupera a visão do "artista", fascinado pela Beleza, pela Pureza, pelo Absoluto. É o caso do egocentrismo visceral de Richard Wagner, mas é, sobretudo, o caso ainda de Luís da Baviera, para quem Wagner é, acima de tudo e todos, o seu verdadeiro deus. Impotente e estéril, o sonho artístico e criador de Luís da Baviera irá impor-se sobretudo através dessa interposta pessoa que Wagner encorpora, como muito bem lhe faz notar Elisabeth. Mas, ao contrário de "A Morte em Veneza" (onde essa descida ao inferno comportava uma certa densidade psicológica e definia com algum rigor os termos dos problemas abordados), em "Ludwig" tudo parece subjugado pela monumentalidade do projecto.
Com algumas sequências admiráveis (todo o início do filme, essa majestosa procissão de figuras de cera que se aprestam para assistir à coroação de Luís da Baviera; ou ainda, por exemplo, a sequência passada no interior de uma gruta), "Luís da Baviera" parece ter de algum modo sucumbido perante a natureza dos propósitos de Visconti, que definitivamente os não alcança. Julgamos que era intenção de Visconti sustentar ao longo do filme um certo artificialismo de composição e de comportamento que daria como resultado um filme algo inquietante sobre a permanência de "fantasmas" de uma idade desaparecida. Mas esse artificialismo (plenamente logrado na sequência inicial e numa ou outra mais), em lugar de aparecer como distanciamento crítico frente a personagens e a situações (como era ainda a intenção da integração de depoimentos que interrompem a ficção romanesca da obra, criando sucessivas rupturas dramáticas), acaba por surgir como uma ineficácia de estilo ou de tom. Sendo embora uma obra de uma grande dignidade artística (que se impõe não analisar levianamente), "Ludwig" parece-nos confirmar uma crise passageira no cinema de Visconti. Tanto mais que, até num simples plano de escrita, se podem assinalar algumas falhas de estrutura (da planificação à montagem). Onde, porém, Visconti confirma plenamente o seu grande talento é na utilização impecável de cenários e guarda-roupa, nesse gosto refinado e subtil pelo fausto aristocrata de uma época em declínio, magistralmente dada na já referida sequência inicial, onde a câmara evolui muito lentamente por entre um guarda-roupa animado, percorrendo longos corredores e salas.

LUÍS DA BAVIERA ou LUÍS DA BAVIERA - REQUIEM PARA UM REI VIRGEM
Título original: Ludwig

Realização: Luchino Visconti (Itália, França, RFA, 1972); Argumento: Luchino Visconti, Enrico Medioli, Suso Cecchi D'Amico; Produção: Robert Gordon Edwards, Dieter Geissler, Ugo Santalucia; Fotografia (cor): Armando Nannuzzi; Montagem: Ruggero Mastroianni; Desing de produção: Mario Chiari, Mario Scisci; Direcção artística: Mario Chiari, Mario Scisci; Decoração: Gianfranco De Dominicis, Enzo Eusepi, Corrado Ricercato, Oltrona Kuchino Visconti; Guarda-roupa: Piero Tosi; Maquilhagem: Maria Teresa Corridoni, Alberto De Rossi, Grazia De Rossi ; Direcção de produção: Lucio Trentini; Assistentes de realização: Albino Cocco, Giorgio Ferrara, Luchino Gastel, Louise Vincent, Fanny Wessling; Departamento de arte: Italo Tomassi; Som: Giuseppe Muratori, Vittorio Trentino; Companhias de produção: Mega Film, Cinétel, Dieter Geissler Filmproduktion, Divina-Film; Intérpretes: Helmut Berger (Ludwig II da Baviera), Trevor Howard (Richard Wagner), Silvana Mangano (Cosima Von Buelow), Gert Fröbe (padre Hoffmann), Helmut Griem (conde Duerckheim), Izabella Telezynska (rainha mãe), Umberto Orsini (conde Von Holstein), John Moulder-Brown (Prince Otto), Sonia Petrovna (Sophie), Folker Bohnet (Joseph Kainz), Heinz Moog (Professor Gudden), Adriana Asti (Lila Von Buliowski), Marc Porel (Richard Hornig), Nora Ricci (condessa Ida Ferenczy), Mark Burns (Hans Von Buelow), Maurizio Bonuglia (Mayr), Romy Schneider (Imperatriz Elisabeth de Áustria), Alexander Allerson, Bert Bloch, Manfred Fürst, Kurt Großkurth, Anne-Marie Hanschke, Gérard Herter, Ian Linhart, Carla Mancini, Gernot Möhner, Clara Moustawcesky, Alain Naya, Alessandro Perrella, Karl-Heinz Peters, Wolfram Schaerf, Henning Schlüter, Helmut Stern, Eva Axén, Louise Vincent, Gunnar Warner, Karl-Heinz Windhorst, Raika Juri, Domenico Ravenna, Berno von Cramm, Friedrich von Ledebur, etc. Duração: 235 minutos; Distribuição em Portugal (DVD): Costa do Castelo Filmes; Classificação etária: M/12 anos; Data de estreia em Portugal: 8 de Março de 1973. 

1 comentário:

  1. GRANDIOSO. SOBERBO. MAGNIFICO. SÃO ESTES OS ADJETIVOS PARA QUALIFICAR ESTE FILME. A CENA DA CARRUGEM NA NEVE E DA IMPERATRIZ SISSI SE PENTEANDO SÃO INESQUECÍVEIS, PERTURBADORAS E LINDAS; A APARIÇÃO DE ROMY SCHNEIDER É LUMINOSA E ASSUSTADORA. A IRONIA DE HELMUT BERGER NO PAPEL, DADO À RELAÇÃO DELE COM VISCONTI, TAMBÉM TEM SIGNIFICADO. FOI QUANDO HELMUT CONSEGUIU SER ATOR, ANTES ERA UM SIMULACRO DE ATOR, CANASTRÃO. LINDO O FILME. VISCONTI É CULTURA.

    ResponderEliminar