LUÍS DA
BAVIERA (1972)
Luís II da Baviera, o mecenas de Richard Wagner, "o
último rei romântico", o "rei louco", admirado por Verlaine,
respeitado por Bismark, é pouco conhecido. Numa carta a um amigo, Luís da
Baviera escrevia: “quero ser um enigma para mim próprio e para os outros”.
Nasceu a 25 de Agosto de 1845, em Munique, capital do jovem
reino da Baviera. O ducado tornou-se reino graças à estadia de Napoleão. Os
Wittelsbagh foram, por vezes (pelo lado materno), considerados estranhos, mas a
hereditariedade do ramo dos Hohenzollern esteve, sem dúvida, na origem dos distúrbios
psíquicos de Luís II e do irmão mais novo, o príncipe Otto.
O rei Maximilien, morto em 1864, educou o filho à moda
prussiana: muitas privações, severidade e pouca instrução. Quando, com 18 anos
apenas, Luís subiu ao trono, sem qualquer formação política, mas mostrando-se,
no entanto, lúcido, dá provas de bom senso e de prudência nas relações difíceis
do seu país com a Prússia, a Áustria e a França. Colocou-se, contrariado, ao
lado de Bismark em 1870, declarando que seria preciso conceder aos Hohenzollern
a hegemonia em título e de facto. Foi Luís II quem pediu ao rei da Prússia para
receber a coroa imperial depois da derrota francesa, mas não assistiu, no
entanto, ao triunfo alemão em Versailles.
Em 1859, Luís assiste a uma representação de
“Lohengrin" e fica fortemente impressionado por esta ópera de Wagner. Após
a sua coroação, envia um convite caloroso ao compositor. Para Wagner, que se
encontrava cheio de dívidas e de problemas de toda a ordem, este "coup de
foudre" do rei era um milagre. Luís II manda construir a ópera de Beyreuth
dedicada a Wagner; o ouro e a admiração de Luís II encorajam Wagner a
prosseguir a sua obra e a representá-la. Durante anos, Wagner é, no sentido
literal, o deus do rei.
O jogo de Cosima von Bulov, inteligente, ambiciosa,
interesseira, mudando de marido ou de amante com o fogo da glória ("casa
com Brahms", sugere-lhe o ex-marido após a morte de Wagner, “é o
compositor mais celebre"), baralhou um pouco as coisas. Durante muito
tempo o rei recusou-se a acreditar nos murmúrios da polícia, e ele próprio
confessou um dia que não acreditava que Wagner e Cosima pudessem “fazer algo de
vergonhoso, mesmo estando sós”.
Ingenuidade? Luís II nunca se teria aproximado fisicamente
duma mulher; a sua prima Elisabeth da Austria, que se parecia tanto com ele, incompreendida,
solitária, assassinada em Montreux, foi para ele uma amiga cúmplice, uma
espécie de duplo.
Muito novo ainda, Luís da Baviera (há todas as razões para o
supor), estabeleceu intimidades e (pouco ortodoxas) relações com um primo, Paul
de Tour et Taxis. Depois, o "Diário Íntimo" do monarca vai revelando
outras paixões, mas Hornig parece ter permanecido como "a maior".
Deixando-se resvalar lentamente para a loucura, Ludwig acabará por ser preso,
destituído do seu mandato, após ter sido declarado louco por uma junta de
médicos que quase não o havia visto. A 13 de Junho de 1886, aparece afogado no
lago de Starnberg. Aquele que de si próprio dizia que queria permanecer um
enigma acabava de entrar na lenda: suicídio, acidente ou crime? Que pensar do desaparecimento
de Luís da Baviera?
Que seduziria Visconti na personalidade de Ludwig para a ele
dedicar uma obra de tão grande fôlego? Pois talvez a hipótese provável de
através dele estabelecer como que o seu próprio testamento estético e político.
Projecto ambicioso. O seu filme acaba por ser uma compilação
de grande parte das obsessões do cineasta e de muitas das suas preocupações.
Acaba por ser ainda, nem sempre com grande felicidade, uma colagem de diversas
situações vistas em anteriores obras suas. De um ponto de vista histórico,
porém, a exemplaridade de "Ludwig" não suporta qualquer tipo de
comparação com "Sentimento” ou "O Leopardo", por exemplo.
Enquanto que, tanto num como noutro, quer a condessa Serpieri como o Príncipe
de Salina definiam personagens típicas de um dado momento histórico que era
através delas analisado, em "Luís da Baviera" a intenção parece ter
sido outra: acompanhar com Luís da Baviera a decadência da aristocracia, o seu
irremediável naufrágio histórico e social.
Neste aspecto, todavia, a personalidade do rei bávaro
fornecia a Visconti elementos que lhe permitiriam levar mais longe as suas
considerações. Na verdade, mercê de condicionalismos diversos, Luís da Baviera,
a quem chamaram "o último rei romântico", viu-se progressivamente
isolado, marginalizado da sociedade.
Por deficiências próprias (que o levaram a procurar a
solidão, a fugir ao contacto com o mundo), mas também por preconceitos da
sociedade (que o olhava como “anormal”, pertencente a uma minoria moral que
somente a sua condição de monarca não permitia uma mais viva perseguição).
De "Morte em Veneza”, "Luís da Baviera"
recupera a visão do "artista", fascinado pela Beleza, pela Pureza,
pelo Absoluto. É o caso do egocentrismo visceral de Richard Wagner, mas é,
sobretudo, o caso ainda de Luís da Baviera, para quem Wagner é, acima de tudo e
todos, o seu verdadeiro deus. Impotente e estéril, o sonho artístico e criador
de Luís da Baviera irá impor-se sobretudo através dessa interposta pessoa que
Wagner encorpora, como muito bem lhe faz notar Elisabeth. Mas, ao contrário de
"A Morte em Veneza" (onde essa descida ao inferno comportava uma
certa densidade psicológica e definia com algum rigor os termos dos problemas
abordados), em "Ludwig" tudo parece subjugado pela monumentalidade do
projecto.
Com algumas sequências admiráveis (todo o início do filme,
essa majestosa procissão de figuras de cera que se aprestam para assistir à
coroação de Luís da Baviera; ou ainda, por exemplo, a sequência passada no
interior de uma gruta), "Luís da Baviera" parece ter de algum modo
sucumbido perante a natureza dos propósitos de Visconti, que definitivamente os
não alcança. Julgamos que era intenção de Visconti sustentar ao longo do filme
um certo artificialismo de composição e de comportamento que daria como
resultado um filme algo inquietante sobre a permanência de
"fantasmas" de uma idade desaparecida. Mas esse artificialismo
(plenamente logrado na sequência inicial e numa ou outra mais), em lugar de aparecer
como distanciamento crítico frente a personagens e a situações (como era ainda
a intenção da integração de depoimentos que interrompem a ficção romanesca da
obra, criando sucessivas rupturas dramáticas), acaba por surgir como uma
ineficácia de estilo ou de tom. Sendo embora uma obra de uma grande dignidade
artística (que se impõe não analisar levianamente), "Ludwig"
parece-nos confirmar uma crise passageira no cinema de Visconti. Tanto mais
que, até num simples plano de escrita, se podem assinalar algumas falhas de
estrutura (da planificação à montagem). Onde, porém, Visconti confirma
plenamente o seu grande talento é na utilização impecável de cenários e
guarda-roupa, nesse gosto refinado e subtil pelo fausto aristocrata de uma
época em declínio, magistralmente dada na já referida sequência inicial, onde a
câmara evolui muito lentamente por entre um guarda-roupa animado, percorrendo
longos corredores e salas.
LUÍS DA BAVIERA ou LUÍS DA
BAVIERA - REQUIEM PARA UM REI VIRGEM
Título original: Ludwig
Realização: Luchino Visconti (Itália, França,
RFA, 1972); Argumento: Luchino Visconti, Enrico Medioli, Suso Cecchi D'Amico;
Produção: Robert Gordon Edwards, Dieter Geissler, Ugo Santalucia; Fotografia
(cor): Armando Nannuzzi; Montagem: Ruggero Mastroianni; Desing de produção:
Mario Chiari, Mario Scisci; Direcção artística: Mario Chiari, Mario Scisci;
Decoração: Gianfranco De Dominicis, Enzo Eusepi, Corrado Ricercato, Oltrona
Kuchino Visconti; Guarda-roupa: Piero Tosi; Maquilhagem: Maria Teresa
Corridoni, Alberto De Rossi, Grazia De Rossi ; Direcção de produção: Lucio
Trentini; Assistentes de realização: Albino Cocco, Giorgio Ferrara, Luchino
Gastel, Louise Vincent, Fanny Wessling; Departamento de arte: Italo Tomassi;
Som: Giuseppe Muratori, Vittorio Trentino; Companhias de produção: Mega Film, Cinétel,
Dieter Geissler Filmproduktion, Divina-Film; Intérpretes: Helmut Berger (Ludwig
II da Baviera), Trevor Howard (Richard Wagner), Silvana Mangano (Cosima Von
Buelow), Gert Fröbe (padre Hoffmann), Helmut Griem (conde Duerckheim), Izabella
Telezynska (rainha mãe), Umberto Orsini (conde Von Holstein), John
Moulder-Brown (Prince Otto), Sonia Petrovna (Sophie), Folker Bohnet (Joseph
Kainz), Heinz Moog (Professor Gudden), Adriana Asti (Lila Von Buliowski), Marc
Porel (Richard Hornig), Nora Ricci (condessa Ida Ferenczy), Mark Burns (Hans
Von Buelow), Maurizio Bonuglia (Mayr), Romy Schneider (Imperatriz Elisabeth de
Áustria), Alexander Allerson, Bert Bloch, Manfred Fürst, Kurt Großkurth,
Anne-Marie Hanschke, Gérard Herter, Ian Linhart, Carla Mancini, Gernot Möhner,
Clara Moustawcesky, Alain Naya, Alessandro Perrella, Karl-Heinz Peters, Wolfram
Schaerf, Henning Schlüter, Helmut Stern, Eva Axén, Louise Vincent, Gunnar
Warner, Karl-Heinz Windhorst, Raika Juri, Domenico Ravenna, Berno von Cramm,
Friedrich von Ledebur, etc. Duração: 235 minutos; Distribuição em Portugal
(DVD): Costa do Castelo Filmes; Classificação etária: M/12 anos; Data de
estreia em Portugal: 8 de Março de 1973.
GRANDIOSO. SOBERBO. MAGNIFICO. SÃO ESTES OS ADJETIVOS PARA QUALIFICAR ESTE FILME. A CENA DA CARRUGEM NA NEVE E DA IMPERATRIZ SISSI SE PENTEANDO SÃO INESQUECÍVEIS, PERTURBADORAS E LINDAS; A APARIÇÃO DE ROMY SCHNEIDER É LUMINOSA E ASSUSTADORA. A IRONIA DE HELMUT BERGER NO PAPEL, DADO À RELAÇÃO DELE COM VISCONTI, TAMBÉM TEM SIGNIFICADO. FOI QUANDO HELMUT CONSEGUIU SER ATOR, ANTES ERA UM SIMULACRO DE ATOR, CANASTRÃO. LINDO O FILME. VISCONTI É CULTURA.
ResponderEliminar