ROCCO E SEUS IRMÃOS (1960)
“Rocco
i Suoi Fratelli”, com argumento de Luchino Visconti e Suso Cecchi D'Amico,
contando com a colaboração de Vasco Pratolini, Pasquale Festa Campanile,
Massimo Franciosa e Enrico Medioli, anuncia ter alguns dos seus episódios
inspirados no romance de Giovanni Testori "Il Ponte della Ghisolfa".
Estreado em 1960, posterior portanto a obras como “Sentimento” ou “Noites
Brancas”, onde Visconti se afastara bastante da estética neo-realista de inícios
da sua carreira, marca de certa forma um regresso a esse modelo realista, ainda
que com acentuadas diferenças. O elenco é constituído por um vasto grupo de
actores de primeira linha do cinema e teatro italianos e europeus, a ficção é
extremamente elaborada, os meios técnicos bastante sofisticados para a época.
Mas a lição social integra-se perfeitamente numa estratégia marxista que o
cineasta sempre perfilhou, e de certa forma este “Rocco e os Seus Irmãos”
representa um prolongamento de um filme anterior do mesmo realizador, “A Terra
Treme”. Na verdade, enquanto em “A Terra Treme” se assiste ao drama dos
pescadores sicilianos, explorados por revendedores, em “Rocco e seus Irmãos”
acompanhamos a saga de uma família de italianos do sul que viaja até Milão em
busca de melhores condições de vida, para finalmente se assistir apenas à sua
desagregação familiar e descobrir-se vítima dos mesmos processos de exploração
e alienação social.
Dividido
em cinco capítulos, cada um deles dando prioridade a um dos irmãos da família
Parondi (Vincenzo, Simone, Rocco, Ciro e Luca), a obra ergue-se como um enorme
painel onde a figura da mãe Rosaria ocupa destacado lugar nesta gesta
matriarcal, como em tantas outras mediterrânicas. Rosaria viveu sempre em
Basilicata, ou Lucânia, de onde o marido nunca quisera sair, agarrado à sua
terra e às suas raízes. Mas, por morte deste, Rosaria, que havia jurado livrar
os cinco filhos da pobreza e da exploração que ali dominam, resolve entrouxar
alguns bens e rumar ao norte, industrializado e promissor de melhor dias,
levando consigo os filhos e os sonhos. Em Milão, porém, as dificuldades são
muitas, desde logo para arranjar casa. Instalam-se ao monte num pequeno
apartamento, calculando ser despejados ao fim de meses sem pagar renda, e serem
depois alojados gratuitamente pelo município milanês. O que acontece.
Com o
emprego, os problemas são ainda maiores. Levantam-se de madrugada em noites
nevadas, para varrerem as ruas e assim amealharem algum dinheiro. Depois,
lentamente, Simone lança-se numa carreira de boxeur, Rocco cumpre o serviço
militar no exército, Ciro estuda e vai progredindo na sua carreira como
operário especializado da Alfa Romeo, Vincenzo, já casado, e com filho,
mantém-se estável, apesar dos confrontos iniciais entre a sua família e a da
mulher. Luca, o mais jovem, estuda e vai descobrindo os perigos da grande
metrópole, olhando os irmãos.
O filme
inicia-se com a chegada da família à estação de caminhos-de-ferro de Milão.
Vincenzo já vive em Milão e a família chega no dia em que é anunciado o seu
noivado com Ginetta, uma noite festiva que reúne a família da noiva, que não vê
com bons olhos a invasão dos Parondi e nem sequer tem espaço físico para os
albergar. As conflitualidades iniciam-se logo ali, quando Rosaria e os filhos
são postos na rua, depois de uma alterada troca de palavras.
O
segundo grande momento de crise familiar surge quando entra em cena Nadia, uma
prostituta, por quem se apaixona Simone e que leva para casa. A mãe não suporta
a sua presença e será ela a provocar os ciúmes e a queda do aspirante a
pugilista, que se deixa depois enredar numa onda de vícios e más companhias.
Nadia é, todavia, apenas o elemento catalisador da violência e do mau caracter
de Simone, que se porta como a ovelha negra da família. Em oposição, Rocco é o
elemento apaziguador, que tudo tenta remediar, que tudo perdoa, que se oferece
como mártir para que as crises possam ser ultrapassadas. Mas será Ciro, aquele
que funciona como o “homem novo” que Visconti e os marxistas propõem como futuro,
quem no final recusa o percurso criminoso de Simone e a martiriologia de Rocco.
Depois de enviar Simone para a prisão, afirma: “Rocco perdoa sempre, mas nem
sempre se pode perdoar”.
Como
todas as obras que sugerem uma tese, “Rocco e os Seus Irmãos” poderá ter
aspectos polémicos e discutíveis. Indiscutível é a arte de Visconti e o seu
empolgamento narrativo, sublimemente melodramático em certos aspectos,
plasticamente de uma elegância e força expressiva invulgares. De resto, a
grandeza de Visconti não permite nunca a demagogia fácil, nem o maniqueísmo,
por muito que queira defender uma tese e demonstrar como o choque de
mentalidades, entre o sul rural e o norte industrializado, numa Itália de
reconstrução do pós-guerra, eivada de vícios e injustiças, se pode transformar
numa tragédia de contornos imprevisíveis.
São
muitas as sequências notáveis, mas permita-se-me destacar algumas: a chegada a
Milão e a festa de noivado de Vincenzo, a violação de Nadia por Simone,
juntamente com o gang de arruaceiros, a relação de Simone com Morini, e as
implicações homossexuais desde sempre latentes, o assassinato de Nadia, a festa
da vitória de Rocco, enfim, um não mais acabar de cenas brilhantemente
encenadas, dirigidas, interpretadas por um conjunto de actores particularmente
bem escolhidos e excelentemente dirigidos. É justo destacar a candura de Alain
Delon (Rocco Parondi), o desnorte de Renato Salvatori (Simone Parondi), a
perversa inocência de Annie Girardot (Nadia), a fulgurante força íntima de
Katina Paxinou (Rosaria Parondi), entre muitos outros, onde surge a muito jovem
Claudia Cardinale, num dos primeiros papéis da sua carreira. Magníficas são
ainda a fotografia, a preto e branco, de Giuseppe Rotunno, e a partitura
musical de Nino Rota.
O filme
ganharia vários prémios, entre os quais o David di Donatello, de 1961, para
melhor produção italiana do ano; Prémio Bodil 1962 (Dinamarca), para melhor
filme europeu; prémios FIPRESCI e especial do Júri, no Festival de Veneza de
1960.
ROCCO E SEUS IRMÃOS
Título original: Rocco e i suoi
fratelli
Realização: Luchino Visconti (Itália,
França, 1960); Argumento: Luchino Visconti, Suso Cecchi D'Amico, Vasco
Pratolini, Pasquale Festa Campanile, Massimo Franciosa, Enrico Medioli,
inspirado em episódios do romance de Giovanni Testori "Il ponte della
Ghisolfa"; Produção: Goffredo Lombardo; Música: Nino Rota; Fotografia
(p/b): Giuseppe Rotunno; Montagem: Mario Serandrei; Desing de produção: Mario
Garbuglia; Guarda-roupa: Piero Tosi; Maquilhagem: Giuseppe Banchelli, Vasco
Reggiani; Direcção de produção: Giuseppe Bordogni, Luigi Ceccarelli, Anna
Davini; Assistentes de realização: Jerzy Macc, Lucio Orlandini, Rinaldo Ricci;
Departamento de arte: Ferdinando Giovannoni, Pasquale Romano; Som: Giovanni
Rossi; Companhias de produção: Titanus, Les Films Marceau; Intérpretes: Alain Delon (Rocco Parondi), Renato Salvatori (Simone
Parondi), Annie Girardot (Nadia), Katina Paxinou (Rosaria Parondi), Alessandra
Panaro (noiva de Ciro), Spiros Focás (Vincenzo Parondi), Max Cartier (Ciro
Parondi), Corrado Pani (Ivo); Rocco Vidolazzi (Luca Parondi), Claudia Mori,
Adriana Asti, Enzo Fiermonte, Nino Castelnuovo, Rosario Borelli, Renato Terra,
Roger Hanin (Morini), Paolo Stoppa (Cerri), Suzy Delair (Luisa), Claudia
Cardinale (Ginetta), Luigi Basagaluppi, Sauveur Chioca, Bruno Fortilli, Becker
Masoero, Rocco Mazzola, Felice Musazzi, Eduardo Passarelli, Emilio Rinaldi,
Gino Seretti, Franca Valeri, etc. Duração:
171 minutos; Distribuição em Portugal (DVD): Costa do Castelo Filmes;
Classificação etária: M/12 anos; Data de estreia em Portugal: 17 de Novembro de
1961.
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