quarta-feira, 8 de abril de 2015

ROCCO E OS SEUS IRMÃOS



ROCCO E SEUS IRMÃOS (1960)


“Rocco i Suoi Fratelli”, com argumento de Luchino Visconti e Suso Cecchi D'Amico, contando com a colaboração de Vasco Pratolini, Pasquale Festa Campanile, Massimo Franciosa e Enrico Medioli, anuncia ter alguns dos seus episódios inspirados no romance de Giovanni Testori "Il Ponte della Ghisolfa". Estreado em 1960, posterior portanto a obras como “Sentimento” ou “Noites Brancas”, onde Visconti se afastara bastante da estética neo-realista de inícios da sua carreira, marca de certa forma um regresso a esse modelo realista, ainda que com acentuadas diferenças. O elenco é constituído por um vasto grupo de actores de primeira linha do cinema e teatro italianos e europeus, a ficção é extremamente elaborada, os meios técnicos bastante sofisticados para a época. Mas a lição social integra-se perfeitamente numa estratégia marxista que o cineasta sempre perfilhou, e de certa forma este “Rocco e os Seus Irmãos” representa um prolongamento de um filme anterior do mesmo realizador, “A Terra Treme”. Na verdade, enquanto em “A Terra Treme” se assiste ao drama dos pescadores sicilianos, explorados por revendedores, em “Rocco e seus Irmãos” acompanhamos a saga de uma família de italianos do sul que viaja até Milão em busca de melhores condições de vida, para finalmente se assistir apenas à sua desagregação familiar e descobrir-se vítima dos mesmos processos de exploração e alienação social.


Dividido em cinco capítulos, cada um deles dando prioridade a um dos irmãos da família Parondi (Vincenzo, Simone, Rocco, Ciro e Luca), a obra ergue-se como um enorme painel onde a figura da mãe Rosaria ocupa destacado lugar nesta gesta matriarcal, como em tantas outras mediterrânicas. Rosaria viveu sempre em Basilicata, ou Lucânia, de onde o marido nunca quisera sair, agarrado à sua terra e às suas raízes. Mas, por morte deste, Rosaria, que havia jurado livrar os cinco filhos da pobreza e da exploração que ali dominam, resolve entrouxar alguns bens e rumar ao norte, industrializado e promissor de melhor dias, levando consigo os filhos e os sonhos. Em Milão, porém, as dificuldades são muitas, desde logo para arranjar casa. Instalam-se ao monte num pequeno apartamento, calculando ser despejados ao fim de meses sem pagar renda, e serem depois alojados gratuitamente pelo município milanês. O que acontece.
Com o emprego, os problemas são ainda maiores. Levantam-se de madrugada em noites nevadas, para varrerem as ruas e assim amealharem algum dinheiro. Depois, lentamente, Simone lança-se numa carreira de boxeur, Rocco cumpre o serviço militar no exército, Ciro estuda e vai progredindo na sua carreira como operário especializado da Alfa Romeo, Vincenzo, já casado, e com filho, mantém-se estável, apesar dos confrontos iniciais entre a sua família e a da mulher. Luca, o mais jovem, estuda e vai descobrindo os perigos da grande metrópole, olhando os irmãos.
O filme inicia-se com a chegada da família à estação de caminhos-de-ferro de Milão. Vincenzo já vive em Milão e a família chega no dia em que é anunciado o seu noivado com Ginetta, uma noite festiva que reúne a família da noiva, que não vê com bons olhos a invasão dos Parondi e nem sequer tem espaço físico para os albergar. As conflitualidades iniciam-se logo ali, quando Rosaria e os filhos são postos na rua, depois de uma alterada troca de palavras.


O segundo grande momento de crise familiar surge quando entra em cena Nadia, uma prostituta, por quem se apaixona Simone e que leva para casa. A mãe não suporta a sua presença e será ela a provocar os ciúmes e a queda do aspirante a pugilista, que se deixa depois enredar numa onda de vícios e más companhias. Nadia é, todavia, apenas o elemento catalisador da violência e do mau caracter de Simone, que se porta como a ovelha negra da família. Em oposição, Rocco é o elemento apaziguador, que tudo tenta remediar, que tudo perdoa, que se oferece como mártir para que as crises possam ser ultrapassadas. Mas será Ciro, aquele que funciona como o “homem novo” que Visconti e os marxistas propõem como futuro, quem no final recusa o percurso criminoso de Simone e a martiriologia de Rocco. Depois de enviar Simone para a prisão, afirma: “Rocco perdoa sempre, mas nem sempre se pode perdoar”.
Como todas as obras que sugerem uma tese, “Rocco e os Seus Irmãos” poderá ter aspectos polémicos e discutíveis. Indiscutível é a arte de Visconti e o seu empolgamento narrativo, sublimemente melodramático em certos aspectos, plasticamente de uma elegância e força expressiva invulgares. De resto, a grandeza de Visconti não permite nunca a demagogia fácil, nem o maniqueísmo, por muito que queira defender uma tese e demonstrar como o choque de mentalidades, entre o sul rural e o norte industrializado, numa Itália de reconstrução do pós-guerra, eivada de vícios e injustiças, se pode transformar numa tragédia de contornos imprevisíveis. 
São muitas as sequências notáveis, mas permita-se-me destacar algumas: a chegada a Milão e a festa de noivado de Vincenzo, a violação de Nadia por Simone, juntamente com o gang de arruaceiros, a relação de Simone com Morini, e as implicações homossexuais desde sempre latentes, o assassinato de Nadia, a festa da vitória de Rocco, enfim, um não mais acabar de cenas brilhantemente encenadas, dirigidas, interpretadas por um conjunto de actores particularmente bem escolhidos e excelentemente dirigidos. É justo destacar a candura de Alain Delon (Rocco Parondi), o desnorte de Renato Salvatori (Simone Parondi), a perversa inocência de Annie Girardot (Nadia), a fulgurante força íntima de Katina Paxinou (Rosaria Parondi), entre muitos outros, onde surge a muito jovem Claudia Cardinale, num dos primeiros papéis da sua carreira. Magníficas são ainda a fotografia, a preto e branco, de Giuseppe Rotunno, e a partitura musical de Nino Rota.
O filme ganharia vários prémios, entre os quais o David di Donatello, de 1961, para melhor produção italiana do ano; Prémio Bodil 1962 (Dinamarca), para melhor filme europeu; prémios FIPRESCI e especial do Júri, no Festival de Veneza de 1960.

ROCCO E SEUS IRMÃOS
Título original: Rocco e i suoi fratelli
Realização: Luchino Visconti (Itália, França, 1960); Argumento: Luchino Visconti, Suso Cecchi D'Amico, Vasco Pratolini, Pasquale Festa Campanile, Massimo Franciosa, Enrico Medioli, inspirado em episódios do romance de Giovanni Testori "Il ponte della Ghisolfa"; Produção: Goffredo Lombardo; Música: Nino Rota; Fotografia (p/b): Giuseppe Rotunno; Montagem: Mario Serandrei; Desing de produção: Mario Garbuglia; Guarda-roupa: Piero Tosi; Maquilhagem: Giuseppe Banchelli, Vasco Reggiani; Direcção de produção: Giuseppe Bordogni, Luigi Ceccarelli, Anna Davini; Assistentes de realização: Jerzy Macc, Lucio Orlandini, Rinaldo Ricci; Departamento de arte: Ferdinando Giovannoni, Pasquale Romano; Som: Giovanni Rossi; Companhias de produção: Titanus, Les Films Marceau; Intérpretes: Alain Delon (Rocco Parondi), Renato Salvatori (Simone Parondi), Annie Girardot (Nadia), Katina Paxinou (Rosaria Parondi), Alessandra Panaro (noiva de Ciro), Spiros Focás (Vincenzo Parondi), Max Cartier (Ciro Parondi), Corrado Pani (Ivo); Rocco Vidolazzi (Luca Parondi), Claudia Mori, Adriana Asti, Enzo Fiermonte, Nino Castelnuovo, Rosario Borelli, Renato Terra, Roger Hanin (Morini), Paolo Stoppa (Cerri), Suzy Delair (Luisa), Claudia Cardinale (Ginetta), Luigi Basagaluppi, Sauveur Chioca, Bruno Fortilli, Becker Masoero, Rocco Mazzola, Felice Musazzi, Eduardo Passarelli, Emilio Rinaldi, Gino Seretti, Franca Valeri, etc. Duração: 171 minutos; Distribuição em Portugal (DVD): Costa do Castelo Filmes; Classificação etária: M/12 anos; Data de estreia em Portugal: 17 de Novembro de 1961.

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